segunda-feira, 22 de agosto de 2011

FRUTOS PERMITIDOS


Por José Farid Zaine

farid.cultura@uol.com.br

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Entrar no clima do filme “A Árvore da Vida”( The Tree of Life), em exibição nos cinemas brasileiros desde a semana passada, é uma experiência para todos os sentidos. De início já somos mergulhados em algo que , sabemos, não será um filme comum, pelas imagens e sons que inundam a tela. A platéia silencia, envolvida pela música e pela força da fotografia. Efeitos especiais em profusão preenchem boa parte dos trinta minutos iniciais, levando-nos à criação do mundo, ao Big Bang, ao surgimento da vida, à evolução das espécies, como se fosse preciso que nos situássemos dentro dessa origem do universo, das explosões, das galáxias, para compreendermos as razões de estarmos vivos, fazendo parte de tudo...Terrence Malick volta com este drama intimista, cheio de silêncios,vozes murmuradas, sombras e luz, muita luz...O público jamais verá com indiferença esta nova obra do consagrado diretor de “Cinzas do Paraíso” e “Além da Linha Vermelha”.


“Cinzas no Paraíso” (Days of Heaven), consagrou o diretor principalmente pela sua predileção pela plástica, aqui revelada através de magnífica fotografia. Está disponível em DVD e tem Richard Gere no elenco, acompanhado por Brook Adams e Sam Shepard. Saudado por criar uma das mais belas fotografias do cinema, Nestor Almendros ganhou o Oscar por esse trabalho. “Cinzas no Paraíso” é de 1978, e “Além da Linha Vermelha” viria apenas 20 anos depois, em 1998.


Não se espere uma coisa fácil de “A Árvore da Vida”, um roteiro linear, uma história que tenha os nítidos contornos de começo, meio e fim bem delineados. Não há nada de complicado, também, por paradoxal que possa parecer, no enredo: uma família americana, no Texas dos anos 1950, vive seu cotidiano de inquietações, alegrias, buscas...A perda de um ente querido levará ao questionamento das razões da existência, à aproximação e ao distanciamento com Deus, a busca do equilíbrio com a natureza...O sermão do Padre está presente, a alertar sobre a necessidade do amor.


Brad Pitt confirma seu talento de ator dramático, já demonstrado em “Babel”, “O Curioso Caso de Benjamin Button” e “Clube da Luta”. Em “A Árvore da Vida” ele é o chefe de família que impõe aos seus um tratamento machista e autoritário, com a intenção de dar rígida formação aos filhos. O mais velho, Jack, representado com incrível segurança pelo excelente ator mirim Hunter McCracken, na vida adulta tem Sean Penn como intérprete. O contraponto ao ambiente bucólico da infância, mas nem por isso sempre feliz, será uma cidade de concreto, vidro e aço, de onde a mente de Jack viajará para sempre ao passado, na tentativa de se harmonizar com ele.


A mãe, interpretada com precisão, delicadeza e emoção por Jessica Chastain chega a ser quase um oásis na vida de regras e opressões da família. A atriz é o melhor achado do elenco.


“A Árvore da Vida” carrega um profundo sentimento religioso, pela concepção plástica do universo em transformação, pela música que cria sempre o ambiente das grandes catedrais vazias, como se fosse a ponte sonora para Deus...O autor da trilha, Alexandre Desplat, colocou nas suas criações e nas suas escolhas toda sua larga experiência no cinema. Além da música original, belíssima, obras consagradas como a Tocata e Fuga em Ré Menor (que a personagem de Pritt toca num órgão), de Bach, e sinfonias de Brahms. Cordas e coros permeiam todo o longa. Desplat foi indicado ao Oscar neste ano pela trilha de “O Discurso do Rei”.


O filme de Terrence Malick foi laureado com a Palma de Ouro, em Cannes, em 2011. O prêmio é um dos mais conceituados do mundo, perdendo em glamour e popularidade apenas para o Oscar. Malick não foi recebê-lo, dada sua conhecida aversão às badalações características dos grandes festivais internacionais. Não houve unanimidade no júri do Festival de Cannes, neste ano presidido por Robert de Niro. Tampouco o público aceitou o resultado, havendo clara divisão entre os que gostaram muito, os que detestaram e os que não o compreenderam. Isso é comum com obras que gerem algum tipo de polêmica. O certo é que ninguém ficou indiferente ao belo, poético e perturbador filme do diretor.


“A Árvore da Vida” consegue tocar em temas como família, autoridade, passado, natureza, Deus, origem do universo, sem nunca ser piegas e muito menos didático. Os efeitos especiais, que Malick nunca usou tanto como aqui, servem para valorizar o pensamento que gerou o filme, nunca para demonstração de pirotecnia tecnológica.


Fiquemos à sombra desta “Árvore da Vida”, ou melhor, fiquemos sob sua luz, sua intensa luz. Os frutos dela são permitidos.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

COMO ESQUECER DZI CROQUETTES?

Por José Farid Zaine

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Hoje e amanhã o Teatro Vitória revive, mais uma vez, seus dias de cinema... prossegue nesta sexta e continua amanhã, sábado, o Projeto Cine Cultura, da Secretaria da Cultura de Limeira, desta vez trazendo à cidade, pela primeira vez, o Festival Mix de Cinema da Diversidade, grande sucesso em São Paulo. Em Limeira, acontecerão as exibições de dois longas e dois programas de curtas sobre o tema.


O longa de hoje é “Como Esquecer”, um belo drama com Ana Paula Arósio e Murilo Rosa. A história é a da professora de literatura inglesa, Júlia, no período que se sucede a uma dolorosa separação de uma mulher com quem viveu um romance de dez anos. Mágoas e ressentimentos dominarão o cotidiano de Júlia, que passa a contar com o apoio do amigo Hugo (Murilo Rosa), outro que sofre pelo rompimento com um caso amoroso, por conta da morte do parceiro. Situações diversas, mas que obrigam as personagens a tentar recompor a vida após perdas traumáticas.

A diretora Malu de Martino correu o risco de ver seu filme taxado de “papo cabeça” ou intelectualizado, por certa “pompa” em seus diálogos. Mas a natureza das personagens envolvidas exigia algo assim, e Ana Paula Arósio dá conta de construir uma Júlia verossímel, sem deixar que os exageros de pessimismo a transformassem numa personagem chata. O filme é delicado, bem fotografado, tem boa trilha sonora, flui com leveza, sem que jamais se torne panfletário. Narra a convivência de pessoas com o aprendizado da dor, da ausência. Neste aspecto consegue aprofundar essa reflexão e ser comovente.

Após “Como Esquecer”, o público poderá apreciar os curta-metragens selecionados pelo festival e premiados na edição de 2010.


O título do artigo remete ao outro filme do festival, que será exibido amanhã. Trata-se de um dos mais aclamados e premiados documentários brasileiros sobre um grupo de artistas que fez história nos anos 70, enfrentando a ditadura militar com inteligência e bom humor. Não demorou para a censura, câncer da cultura nos anos do regime militar, proibir o musical. O espetáculo foi para Paris e ganhou notoriedade internacional, como mostram depoimentos que estão no documentário, e que incluem palavras emocionantes de Liza Minelli.


“Dzi Croquettes” foi um grupo de ousados artistas da cena teatral brasileira num período difícil, em que a arte era vista como inimiga do poder, o que é comum nas ditaduras e regimes totalitários. Quem confrontasse o governo sofria as penas dos anos de chumbo, que incluíam prisões arbitrárias e bárbaras torturas, além de assassinatos e exílios. Por romper com as convenções e não se submeter às imposições, usando criatividade e fina ironia, o espetáculo “Dzi Croquettes” surgia e apaixonava as plateias.


O público limeirense terá a chance de conferir, amanhã, às 20h, com entrada franca, a fascinante trajetória dos “Dzi Croquettes”, treze homens atores/bailarinos, dos quais 8 já morreram, incluindo uma de suas maiores estrelas, o coreógrafo Lennie Dale. Lennie era amigo de Liza, que viu o espetáculo no Brasil e depois em Paris.


“Dzi Croquettes” tem direção de Tatiana Issa e Rapahael Alvarez. Tatiana, conforme ela declarou no Programa do Jô, morou com a trupe em Paris quando era muito menina, pois o pai trabalhava na equipe técnica do espetáculo.


O grupo se dissolveu em 1979, mas retornou em 1988, naturalmente sem o grande impacto do período de seu surgimento, quando recebeu todos os adjetivos imagináveis, de criativos a debochados, de irônicos a escrachados, mas sem nunca faltar o reconhecimento à sua genialidade.


Além de Liza Minnelli, o documentário traz depoimentos de Marília Pêra, Gilberto Gil, Ney Matogrosso, Nelson Motta e outros.


A possibilidade de que novas gerações conheçam o trabalho dos “Dzi Croquettes” e, através dele, compreendam melhor uma época difícil e traumática da recente história do Brasil, foi saudada por muitos críticos, e o filme recebeu diversos prêmios em festivais.


O Projeto Cine Cultura teve início no mês de maio, com uma pre-estreia nacional do filme “Elvis e Madona”, de Marcelo Lafitte, com a presença do ator Igor Cotrim, que interpreta Madona. “Elvis e Madona” estreará nos cinemas apenas no dia 23 de setembro! Em junho tivemos o filme “Bodas de Papel”, de André Sturm e o curta-metragem vencedor nessa categoria em Paulínia, no ano passado, “Eu Não Quero Voltar Sozinho”, com a presença do ator Fábio Audi. Este curta estará na programação do Festival Mix em Limeira. Na terça passada foram exibidos curtas argentinos.


Portanto, cinéfilos e público que deseja uma opção interessante e inteligente de cinema na cidade: Hoje e amanhã, de graça, a partir das 20h, no Teatro Vitória, ótimos filmes discutem a diversidade, mostrando a visão do cinema sobre amor, sexo e liberdade!

terça-feira, 9 de agosto de 2011

RAQUÍTICOS SONHADORES

Por José Farid Zaine

farid.cultura@uol.com.br

Twitter: @faridzaine

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Desde os seus primórdios, o cinema namorou a sua condição de fábrica de sonhos. Possibilidade inesgotável de documentação da história passou a existir, assim como a discussão da natureza humana em todas as suas facetas. Mas o que fascinou a humanidade foi a possibilidade de ver, nas telas, em movimento, a materialização dos seus desejos. No cinema é possível ultrapassar todas as limitações do corpo, do espaço, do tempo. Quem não desejou ser um super herói, com poderes para fazer de tudo, mudar ou conquistar tudo? Quais são os filmes que arrastam multidões ao cinema em todas as partes do mundo? A briga está por aí: Batman ou Homem Aranha? Homem de Ferro ou Superman? Todos os herois juntos ou o pequeno bruxo de Hogwarts? O universo se curva diante dos invejados poderes deles todos, e isso se traduz numa indústria voraz que consome e arrecada bilhões, numa prova incontestável do prazer gerado por uma aventura fantasiosa nas telas...Afinal somos nós, sentados nas poltronas, que nos deixamos levar pela fantasia, como se adquiríssemos todo o poder sonhado, e de repente pudéssemos romper com nossas limitações, transformando-nos em herois salvadores do planeta...Bem, haverá quem se identifique com os vilões, igualmente dotados de superpoderes, mas com outro foco, lógico...

Pois eis que chega às telas uma nova concepção de outro conhecido salvador da pátria, o Capitão América. Ele vem na pele do ator Chris Evans, numa superprodução que acaba de estrear, também destinada a conquistar grandes plateias. “Capitão América – O Primeiro Vingador”, dirigido por Joe Johnston, tem todos os ingredientes que temperam as grandes aventuras do cinema moderno: efeitos visuais espetaculares, capricho na direção de arte, fotografia, magníficos figurinos, trilha sonora...O apelo visual é fortíssimo, assim como o som, mas é preciso que o filme seja visto num cinema bem equipado...Fui ver numa sala que o exibia em 3D, mas com péssima projeção e uns óculos extremamente desconfortáveis, que ficavam folgados demais. Aí a sala exibidora trabalha contra a produção, tecnologicamente irrepreensível. Mas lá está o nosso herói. Muito americano, claro, defensor das cores de sua bandeira, o que é louvável em todo herói, não fosse a patriotada. Em todo o caso, em “Capitão América”, ela é mais leve do que em “Homem Aranha”. A magia do cinema, que,como já disse, nos permite tudo, aqui se revela na segunda guerra mundial. Sabemos o que existia na década de 1940, o que era possível existir dentro da história das conquistas científicas, mas nos divertimos vendo vilões com equipamentos incrivelmente avançados para a época...Lá estão os indefectíveis cientistas, o do bem e o do mal, ambos com suas descobertas mirabolantes, que não podem deixar de passar pelas máquinas e soros capazes de transformar um rapaz pequeno, raquítico, tímido, numa montanha de músculos, sem que se perca a marca do “homem bom”. Nisso reside muito do humor de “Capitão América”, pela escolha acertada do ator, e pelos efeitos interessantes que o fazem mudar a estatura e a compleição física.


O mês de julho, por ser de férias, foi pródigo em lançamentos de aventuras que prolongam sua temporada por todo o mês de agosto...Podemos escolher entre voltar à segunda guerra no corpo de um soldado bombadão ( dentro dele estamos nós, os raquíticos sonhadores), penetrar no mundo sombrio das descobertas de Harry Potter, mas podendo usar todos os recursos de sua magia, ou nos envolvermos no universo mecânico de “Transformers”...aliás, este último vem nos revelar o “outro lado da lua”, a mesma lua que fascinou os primeiros aventureiros da sétima arte, que há mais de cem anos já viajaram, através do celulóide, ao nosso satélite...”Viagem à Lua”, do francês Georges Méliès é de 1902!


É espantoso compararmos os filmes de décadas atrás com as produções de agora, mas sabendo que, em cada época, eles foram capazes de despertar as mesmas emoções. O que virá pela frente? É igualmente fascinante pensar nisso. O que não mudará, com toda a certeza, será o poder que o cinema tem de alimentar nossas fantasias, nossos sonhos e ilusões.


Cito um exemplo: Não teríamos todos um desejo secreto de nos vingarmos dos nazistas, pelas barbaridades que cometeram durante o holocausto, que causam choque e terror ainda hoje? Pois Quentin Tarantino fez isso por todos nós. A sequência final de “Bastardos Inglórios” é a nossa redenção: os nazistas pagam, de forma cruel, claro, pelos seus crimes. Tudo bem, trata-se de um filme de ficção. Mas de que outra forma conseguir justiça, a esta altura da história?


Bom, é hora de acabar com os preconceitos e se permitir uma folga só pra curtir um divertimento sem outras pretensões. Quem for ver “Capitão América” com esse propósito não se arrependerá.