Por José Farid Zaine
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Entrar no clima do filme “A Árvore da Vida”( The Tree of Life), em exibição nos cinemas brasileiros desde a semana passada, é uma experiência para todos os sentidos. De início já somos mergulhados em algo que , sabemos, não será um filme comum, pelas imagens e sons que inundam a tela. A platéia silencia, envolvida pela música e pela força da fotografia. Efeitos especiais em profusão preenchem boa parte dos trinta minutos iniciais, levando-nos à criação do mundo, ao Big Bang, ao surgimento da vida, à evolução das espécies, como se fosse preciso que nos situássemos dentro dessa origem do universo, das explosões, das galáxias, para compreendermos as razões de estarmos vivos, fazendo parte de tudo...Terrence Malick volta com este drama intimista, cheio de silêncios,vozes murmuradas, sombras e luz, muita luz...O público jamais verá com indiferença esta nova obra do consagrado diretor de “Cinzas do Paraíso” e “Além da Linha Vermelha”.
“Cinzas no Paraíso” (Days of Heaven), consagrou o diretor principalmente pela sua predileção pela plástica, aqui revelada através de magnífica fotografia. Está disponível em DVD e tem Richard Gere no elenco, acompanhado por Brook Adams e Sam Shepard. Saudado por criar uma das mais belas fotografias do cinema, Nestor Almendros ganhou o Oscar por esse trabalho. “Cinzas no Paraíso” é de 1978, e “Além da Linha Vermelha” viria apenas 20 anos depois, em 1998.
Não se espere uma coisa fácil de “A Árvore da Vida”, um roteiro linear, uma história que tenha os nítidos contornos de começo, meio e fim bem delineados. Não há nada de complicado, também, por paradoxal que possa parecer, no enredo: uma família americana, no Texas dos anos 1950, vive seu cotidiano de inquietações, alegrias, buscas...A perda de um ente querido levará ao questionamento das razões da existência, à aproximação e ao distanciamento com Deus, a busca do equilíbrio com a natureza...O sermão do Padre está presente, a alertar sobre a necessidade do amor.
Brad Pitt confirma seu talento de ator dramático, já demonstrado em “Babel”, “O Curioso Caso de Benjamin Button” e “Clube da Luta”. Em “A Árvore da Vida” ele é o chefe de família que impõe aos seus um tratamento machista e autoritário, com a intenção de dar rígida formação aos filhos. O mais velho, Jack, representado com incrível segurança pelo excelente ator mirim Hunter McCracken, na vida adulta tem Sean Penn como intérprete. O contraponto ao ambiente bucólico da infância, mas nem por isso sempre feliz, será uma cidade de concreto, vidro e aço, de onde a mente de Jack viajará para sempre ao passado, na tentativa de se harmonizar com ele.
A mãe, interpretada com precisão, delicadeza e emoção por Jessica Chastain chega a ser quase um oásis na vida de regras e opressões da família. A atriz é o melhor achado do elenco.
“A Árvore da Vida” carrega um profundo sentimento religioso, pela concepção plástica do universo em transformação, pela música que cria sempre o ambiente das grandes catedrais vazias, como se fosse a ponte sonora para Deus...O autor da trilha, Alexandre Desplat, colocou nas suas criações e nas suas escolhas toda sua larga experiência no cinema. Além da música original, belíssima, obras consagradas como a Tocata e Fuga em Ré Menor (que a personagem de Pritt toca num órgão), de Bach, e sinfonias de Brahms. Cordas e coros permeiam todo o longa. Desplat foi indicado ao Oscar neste ano pela trilha de “O Discurso do Rei”.
O filme de Terrence Malick foi laureado com a Palma de Ouro, em Cannes, em 2011. O prêmio é um dos mais conceituados do mundo, perdendo em glamour e popularidade apenas para o Oscar. Malick não foi recebê-lo, dada sua conhecida aversão às badalações características dos grandes festivais internacionais. Não houve unanimidade no júri do Festival de Cannes, neste ano presidido por Robert de Niro. Tampouco o público aceitou o resultado, havendo clara divisão entre os que gostaram muito, os que detestaram e os que não o compreenderam. Isso é comum com obras que gerem algum tipo de polêmica. O certo é que ninguém ficou indiferente ao belo, poético e perturbador filme do diretor.
“A Árvore da Vida” consegue tocar em temas como família, autoridade, passado, natureza, Deus, origem do universo, sem nunca ser piegas e muito menos didático. Os efeitos especiais, que Malick nunca usou tanto como aqui, servem para valorizar o pensamento que gerou o filme, nunca para demonstração de pirotecnia tecnológica.
Fiquemos à sombra desta “Árvore da Vida”, ou melhor, fiquemos sob sua luz, sua intensa luz. Os frutos dela são permitidos.