sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

GATOS E GAROTOS


Por José Farid Zaine

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Quem pensa que vai ao cinema ver “O Gato de Botas” (Puss in Boots) e assistir a uma adaptação do célebre conto de Charles Perrault, pode esquecer. Do original, a personagem mantém apenas as botas e a extrema esperteza. Esse Gato que protagoniza a animação que entrou em cartaz nos cinemas brasileiros na semana passada, é oriundo de Shrek, onde era coadjuvante. Aqui ele vive uma aventura própria, tecnicamente irrepreensível nestes tempos de 3D. Vozes célebres também dão credibilidade e charme ao filme, sendo o gato dublado por Antonio Banderas e a gata Kitty Pata-Mansa por Salma Hayek. A personagem principal faz várias referências ao filme “A Marca do Zorro”, estrelado por Banderas. O diretor é Chris Miller, o mesmo de Shrek Terceiro. A versão brasileira não tem o charme das vozes de Antonio Banderas e Salma Hayek.


“O Gato de Botas”, além de Banderas e Hayek, foi dotado de uma latinidade acentuada pela trilha sonora. Já a história é meio sem graça e arrastada, fora alguns momentos de aventura ligeira, com as tradicionais perseguições, lutas de espadas, fugas alucinadas. O visual é sempre magnífico, mas uma animação, mesmo a que tenha tratamento tecnológico sofisticado e efeitos especiais de última geração, não se sustenta apenas por essas qualidades. Além do mais, as crianças atentas às histórias que lhes são contadas, podem ficar confusas, primeiro com a história do próprio “Gato de Botas”, depois pela mistura meio atrapalhada de “João e o Pé de Feijão” e “A Galinha (ou Gansa) dos Ovos de Ouro”. Os fãs de Shrek, contudo, ficarão felizes em ver o Gato tendo sua própria aventura, e não reclamarão de nada...


Fim de ano e férias são sinônimos de desenhos animados nos cinemas e nas locadoras. É preciso achar atrações para o público infantil que deixa as salas de aula. O atrativo adicional das cópias em 3D também ajuda a consolidar gordas bilheterias. Nessa linha estreou também o competente e gracioso Happy Feet 2, de origem australiana, dirigido por George Miller. Esses são os mais recentes sucessos garantidos, antes da chegada de “A Era do Gelo 4” em 2012, confirmação da espetacular ascensão do nosso diretor Carlos Saldanha em Hollywood, depois dos primeiros três filmes da série e da consagração de “Rio”.


E para quem deseja ir ao cinema para ver um filme sobre crianças, está em cartaz em São Paulo “O Garoto da Bicicleta” (Le Gamin Au Vèlo). Nada a ver com os temas das animações de férias e final de ano. Aqui a história é dramática, sobre um menino abandonado pelo pai, vivido por Jérémie Renier, e que não se conforma com essa situação. Ele encontra na cabeleireira Samantha, interpretada por Cécile de France, um apoio fundamental na busca do pai e nos rumos de sua vida. O garoto, rebelde, se envolverá com um jovem traficante, passando por amargas experiências que o ajudarão a ficar de olhos abertos diante da vida e suas armações.


“O Garoto da Bicicleta” tem sido celebrado como um dos melhores filmes do ano pelos críticos brasileiros. É sentimental e comovente, mas marcado pela dureza da vida real, mostrada sem retoques, nem artifícios para conduzir a emoções fáceis. Isso é característica dos diretores, os belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, que surpreenderam o mundo cinematográfico principalmente com “A Criança”, de 2005, vencedor da Palma de Ouro em Cannes.


No elenco de “O Garoto da Bicicleta” o destaque maior é para o menino Thomas Doret, que interpreta Cyrill, o garoto do título. Ele é sensacional e já aparece como uma grande promessa do cinema europeu, dado ao seu talento precoce que, espera-se, venha a se confirmar na continuidade da carreira. O outro destaque é para a excelente Cécile de France, sempre bela e ótima atriz. Para quem não se lembra dela, vale recordar que é a atriz do belíssimo filme de Clint Eastwood, “Além da Vida” (Hereafter), que pode ser visto no DVD ou Blu-Ray.



Bem, é isso: gatos espertos e garotos abandonados são ingredientes comuns nos cardápios cinematográficos de todo ano. Nos casos citados, até que temos bons pratos.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

UM DIA COM ANNE HATHAWAY


Por José Farid Zaine

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Ela faz a proeza de estar mais linda a cada filme, mesmo que queiram que a personagem pareça meio desleixada, desarrumada. Anne Hathaway é a estrela do momento, e sua presença é garantia de altas bilheterias. Ela está com tudo. E merece. É ótima atriz. Entrou em cartaz na semana passada, em todo o Brasil, o novo filme dela, “UM DIA” (One Day), um drama romântico conduzido com leveza por Lone Sherfig, a mesma diretora dinamarquesa do elegante “Educação”, que lançou ao sucesso a jovem atriz Carey Mulligan.


“Um Dia” não é propriamente original. A fórmula é a mesma de “Tudo Bem no Ano Que Vem” : um casal se encontra, por muitos anos, sempre na mesma data. Aqui o caso é uma noite de 15 de julho, após a formatura, em que os amigos, Emma e Dexter, ficam juntos. O ano é de 1988. Após esse primeiro encontro vamos ver o que está acontecendo na vida dos dois, todos os dias 15 de julho de vinte anos depois.


Dexter se transforma num apresentador de um programa de TV ruim, mas se estabelece financeiramente. Emma vira garçonete de um restaurante mexicano, enquanto acalenta o sonho de ser escritora. Os caminhos dos dois seguirão por trilhas diferentes, marcadas por derrotas, sofrimentos, vitórias, encontros e desencontros. Todos os anos eles se encontrarão, fisicamente ou não, a despeito de tudo o que acontece em suas vidas, como se uma força maior jamais deixasse que seus caminhos se cruzassem sempre.


“Um dia” tem momentos emocionantes, comoventes, sem ser piegas nem apelativo. Ás vezes é moroso, e o ritmo conferido pela diretora o deixa um pouco arrastado .Nada que prejudique o prazer de ver essa história de amor moderna, embalada por boa música e tecnicamente muito bem cuidada em todos os detalhes, principalmente na caracterização de cada ano, cujas diferenças são apropriadamente marcadas pelos figurinos, maquiagem e penteados. O filme tem o roteiro baseado no livro homônimo de David Nicholls.


Anne Hathaway, vivendo Emma, combinou bem com seu par, Jim Sturgess, o intérprete de Dexter. Sturgess, de carreira ascendente, que fez sucesso em “Across the Universe”, pode ser visto no último filme de Peter Weir, “Caminho da Liberdade”.



Dentre os coadjuvantes de “Um Dia”, todos bons, destaque para a excepcional Patricia Clarkson, como a mãe de Dexter. Ela dá um show e rouba a cena. Para quem não a conhece muito, seria bom ver o original, engraçado e inteligente “Tudo Pode Dar Certo”, de Woody Allen, onde ela está espetacular.


E para quem não se contenta com apenas “Um Dia”, e não pensa em ir ao cinema para esse encontro com Anne Hathaway, então o negócio é vasculhar as locadoras onde há muitos e bons filmes com ela. Ela é a mulher de Jake Gyllenhaal no magnífico “O Segredo de Brokeback Mountain”, mas não foi tão celebrada quanto Michelle Williams, que fazia a esposa de Ennis Del Mar, interpretação sublime de Heath Ledger. Com Jake, Anne voltou a fazer par, embora totalmente diferente, em “Amor e Outras Drogas”, onde os dois protagonizaram belas e tórridas cenas de sexo. E quem liga “O Diabo Veste Prada” apenas à diabólica e loura personagem de Meryl Streep, é bom revisitar esse filme e notar a moreninha, a própria Anne. Em “O Casamento de Rachel” ela brilhou totalmente e recebeu uma indicação ao Oscar de atriz coadjuvante.


Enfim, há muito mais de Anne Hathaway e vai muito além de “Um Dia”. Certamente um fim de semana inteiro com ela nos DVDs encherá a casa de graça, beleza, ousadia e sensualidade.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

SELTON MELLO CONTRA OS VAMPIROS

Por José Farid Zaine

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“Amanhecer – Parte 1”, o início do fim da saga “Crepúsculo”,dirigido por Bill Condon, está abarrotando os cinemas do Brasil com legiões de jovens fãs do casal Bella Swan e Edward Cullen, interpretados por Kristen Stewart e Robert Pattinson. O encanto provocado pelos livros de Stephenie Meyers em multidões de leitores por todo o mundo atingiu ainda maiores proporções nas telas. Fascinados por terror, os jovens encontraram em “Amanhecer”, mais do que nos outros filmes anteriores, elementos para se apaixonarem ainda mais: o terror persiste, as lutas entre lobos e vampiros estão lá...e , bem à mostra, os músculos de Taylor Lautner. Mas estão também agora tórridas cenas de sexo entre os dois protagonistas, um casal que na maior parte das cenas de todos os filmes da saga, não consegue química, liga. Nesta primeira parte do final da saga, entretanto, eles ficam um pouco mais interessantes, por conta do casamento – que tem cenas plasticamente lindas – e da gravidez de Bella, que faz lembrar “O Bebê de Rosemary” sem jamais, claro, ter um mínimo de seu suspense e de sua sufocante tensão.


O diretor deu ao casal uma lua de mel invejável num lugar paradisíaco, que logo se reconhece como Rio de Janeiro pelo Cristo Redentor e os arcos da Lapa. A tentativa de exibir o jeito carioca de ser, com o carnaval e a sensualidade solta pelas ruas ficou rigorosamente ridícula. Como conferir a um ignorante total a trilha sonora de um filme que tem passagem pelo Brasil, sem que o autor tivesse a mínima noção de música popular brasileira? Como chamar aquilo que ele coloca nas cenas do carnaval, um samba americano com toques latinos? Ah, claro, os caseiros do magnífico lugar para o romance de Bella e Edward são brasileiros, falam português, são feios e com cara de feiticeiros, ele quase um bruxo velho e ela uma índia com poderes sobrenaturais. Clichês horrorosos para dar uma imagem feia e distorcida da cultura brasileira. Já Robert Pattinson, o vampirinho branquelo de olhos vermelhos, fala um portunhol risível, absolutamente desastroso. Enfim, é preciso ver “Amanhecer” para entender o que buscam nossos jovens no cinema, esses mesmos que também lotam as sessões de “Pânico”, “Premonição”, “Jogos Mortais” e derivados.


Onde não falta cultura brasileira é no filme de Selton Mello, estrelado por ele, “O Palhaço”. Selton é um grande ator e o filme é muito bonito. Tem ótima fotografia, direção de arte apropriada, trilha sonora linda e um elenco correto. Paulo José faz o pai de Selton, e os dois são palhaços em um circo mambembe. Em suas andanças pelo interior de Minas Gerais, numa viagem interminável, o circo vai, aos trancos e barrancos sobrevivendo, levando arte e alegria ao povo. Mas o que faria de Pangaré, o palhaço vivido por Selton Mello, um palhaço triste? A resposta não será muito convincente. Falta uma certa consistência ao roteiro, uma verdade. Em muitos momentos o filme soa falso, forçado. Há sequências muito bonitas e bem elaboradas, claro, mas sempre parece faltar alguma coisa. No elenco o destaque é mesmo para Selton, um ator maravilhoso. Talvez tivesse faltado a ele também um olhar de fora, já que ele mesmo é o diretor, e um ator precisa de direção.


Em “O Palhaço” há um destaque para Moacyr Franco, numa sequência impagável como o delegado. É pequena mas é ótima a participação também de Fabiana Carla.


“O Palhaço” tem graça e leveza, mas é um filme triste, todo ele pintado pela melancolia de Pangaré e seus sonhados ventiladores.


“O gato bebe leite, o rato come queijo...e eu sou um palhaço”, ensina o palhaço-pai, mandando essa didática mensagem à plateia: ninguém escapa da própria natureza. Pangaré sofrerá para chegar a essa conclusão, mas chegará.


De qualquer forma, é sempre bom ver um filme nacional de qualidade roubando uma significativa fatia do público de “Amanhecer”, num corajoso lançamento simultâneo. Com muito menos cópias, “O Palhaço” tem feito bonito nas bilheterias. É a luta desigual de nosso querido Selton contra os vampirinhos crepusculares que agora chegam ao amanhecer.