sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

UM MESTRE INJUSTIÇADO



Por José Farid Zaine
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Uma das injustiças mais flagrantes deste ano no Oscar foi a exclusão de “O Mestre” entre os indicados a melhor filme do ano. Juntamente com outro injustiçado, Ben Affleck, Paul Thomas Anderson, um dos maiores diretores do cinema contemporâneo foi igualmente esquecido. Mas o elenco que esse brilhante diretor reuniu saiu recompensado, pois os três principais intérpretes receberam indicações ao prêmio máximo do cinema: Joaquin Phoenix, indicado a melhor ator, Philip Seymour Hoffman a melhor ator coadjuvante e Amy Adams a melhor atriz coadjuvante.
Joaquin Phoenix atinge seu auge neste drama que se passa nos anos 1950, época em que os Estados Unidos e o resto do mundo viviam os tempos de rescaldo da segunda guerra. Neste período, o ex-marinheiro Freddie Quell, vivido por Phoenix, precisa se equilibrar entre os traumas da guerra, o alcoolismo e a compulsão pelo sexo. Ele conhece um homem instigante e perturbador, Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman) líder de uma seita chamada “A Causa”, para a qual é levado e onde permanece, dentro de um grupo que acredita nas orientações de seu líder para a cura da loucura sem o uso dos métodos  convencionais.
Muito se comentou na imprensa de todo o mundo que a base do roteiro de “O Mestre” estaria na história da Cientologia, a famosa religião de Tom Cruise e outros astros de Hollywood, também iniciada nos anos 1950. Isso pouco importa para a obra de Anderson, que se constrói como uma assustadora imersão na mente humana e seus labirintos, e com tudo o que se faz para desvendar os seus mistérios e corrigir suas distorções.
“O Mestre” é um filme duro, que não faz concessões ao gosto fácil pelo melodramático, pelo que é fácil de digerir. Ao contrário, é extremamente perturbador, como se todo o tempo estivéssemos sendo desafiados a compreender seus propósitos, tornando-nos seguidores de seus princípios e, mais do que isso, cúmplices deles.
“O Mestre” é belíssimo em sua forma, magnificamente fotografado e com uma trilha sonora envolvente e sedutora. Os anos 1950 estão totalmente presentes através de uma direção de arte rica em detalhes que nos fazem mergulhar nos cenários onde a história se desenrola, de onde sempre saímos com uma sensação de nostálgica melancolia.
Joaquin Phoenix, quase irreconhecível com sua magreza, nos dá uma das melhores interpretações masculinas dos últimos anos ao compor o  complexo ex-marinheiro que se envolve com a seita “A Causa”. Tenho dito que este é, mais uma vez, o ano de Daniel Day Lewis, que está soberbo como “Lincoln”. Mas perder o Oscar para Lewis não será, com certeza, uma derrota para Phoenix. Aliás, magro como ficou, Phoenix está muito parecido com Lewis. Para lembrar de alguns dos bons  momentos de Joaquin Phoenix, basta rever o drama “Amantes”, em que está brilhante ao lado de Gwyneth Paltrow , ou sua participação no épico “Gladiador”, de Ridley Scott, em que viveu o complicado Commodus, papel que lhe deu uma indicação ao Oscar de melhor ator coadjuvante. Foi após “Amantes” (Two Lovers), que Phoenix anunciou, numa famosa entrevista no programa de David Letterman, que estava deixando o cinema para se tornar um rapper. Como se viu, não foi isso o que aconteceu, e  a suposta “aposentadoria” de Phoenix fazia parte de um esquema envolvendo a produção de um filme em parceria com Casey Affleck, irmão de Ben. Melhor para o cinema.
O grande parceiro de Phoenix em “O Mestre”,  Philip Seymour Hoffman , não é nenhuma surpresa, pois mais uma vez mostra seu excepcional talento e sua inesgotável capacidade de compor tipos diferentes, sem jamais se repetir, e sempre com a mesma competência. Amy Adams está perfeitamente à altura das interpretações de Phoenix e Hoffman.
Lançado no Brasil há duas semanas, “O Mestre” deverá figurar como um dos melhores filmes de 2013 nas listas de todos os críticos e cinéfilos. E, para ficar mais antenado com a obra do diretor,  o público poderá rever grandes momentos de Paul Thomas Anderson em filmes excepcionais disponíveis em DVD e Blu-Ray, como “Magnólia”, obra-prima estrelada por Tom Cruise, e “Sangue Negro”, que deu o segundo Oscar de melhor ator justamente a Daniel Day Lewis.
Recomendo, sem restrições, este novo filme de Paul Thomas Anderson. O título deste meu artigo pode remeter a outras injustiças contra os mestres, que nada tem a ver com indicações ao Oscar. Os professores brasileiros sabem muito bem disso.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

OS MISERÁVEIS E O LADO BOM DA VIDA



Por José Farid Zaine
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Quando vi “Les Misérables” no Teatro Abril (hoje Teatro Renault) em São Paulo, fiquei fascinado: era uma montagem ousada para os padrões brasileiros, e praticamente inaugurava a era dos grandes musicais no Brasil, a ponto de a Capital Paulista ser chamada de “Broadway tupiniquim”. Voltei outras três vezes para ver o musical sobre a obra de Victor Hugo, cada vez mais encantado com os talentosos atores e atrizes de nosso país que chamaram a atenção de todo o mundo das artes cênicas pela qualidade de sua formação.
 Esperei com ansiedade a estreia do filme de Tom Hooper, agora apresentado nos cinemas brasileiros com o título traduzido, “Os Miseráveis”. Não precisava. O título original em francês é charmoso e extremamente conhecido. Este lindo musical, baseado numa das mais famosas e lidas obras da literatura universal, é um retorno às emoções experimentadas por quem o viu no Teatro, e para quem não viu a peça é uma grande oportunidade de curtir como essa história humana e comovente ficou transformada em música e belas imagens. O filme está indicado ao Oscar em 8 categorias e vai ganhar, com certeza, na de atriz coadjuvante para Anne Hathaway. É uma das barbadas deste ano. Outra categoria em que é fortíssimo candidato é a de Mixagem de Som. Tom Hooper optou pela dificílima tarefa de fazer o elenco cantar no momento da gravação da cena, apenas com o playback instrumental nos ouvidos, quando o comum é fazer a gravação no conforto de um estúdio, e depois deixar os atores e atrizes dublarem a própria voz. Na maioria das cenas isso funcionou, porque o elenco pôde dar maior carga emocional às interpretações. A sequência que garantirá a Anne Hathaway o seu Oscar é aquela em que ela canta a canção mais conhecida de “Os Miseráveis”, que é “I Dreamed a Dream”, a mesma que tirou Susan Boyle do anonimato e a levou para o enorme sucesso que tem vivido em todo o mundo.


Com sua belíssima e triste história, com fotografia e direção de arte excelentes, música grandiosa e momentos arrebatadores, como quando o coro entoa  “Do You Hear the People Sing?”, “Os Miseráveis” dá um sopro de vida ao gênero musical, cada vez mais escasso no cinema contemporâneo. Tom Hooper, que ganhou o Oscar de melhor diretor por “O Discurso do Rei”, também eleito Melhor filme em 2011, deixou um pouco o lado fleumático comum dos britânicos, presente no seu “Discurso”  e mergulhou mais na paixão que move os franceses, apesar do filme ser em língua inglesa e com elenco de origens diversas.

O LADO BOM DA VIDA
“Every cloud has a silver lining”! Encontrei a frase pesquisando o significado do título original desse filme que também estreou na semana passada. Originalmente “O Lado Bom da Vida” é chamado “Silver Linings Playbook” , significando algo como existir sempre um lado bom nas coisas ruins que acontecem com as pessoas, assim como um raio de luz na tempestade...O filme, dirigido  por David  O. Russel, é bom, tem ritmo e leveza, embora seja bem previsível e nada excepcional. Mas agrada principalmente pela força do seu elenco, onde se destacam Bradley Cooper e Jennifer Lawrence, os dois indicados aos prêmios de interpretação principal, além de Robert de Niro e Jacki Weaver indicados a melhores coadjuvantes. Um feito considerável e justo, já que o elenco é realmente afinadíssimo. Se não fosse o ano  em que há uma arrasadora unanimidade em torno da interpretação de Daniel Day Lewis em “Lincoln”, o ano seria de Bradley Cooper. Jennifer Lawrence, por sua vez, tem sido apontada como grande favorita, batendo outras quatro concorrentes que tiveram interpretações irrepreensíveis, todas dignas de premiação, da mais nova indicada de todos os tempos, Quvenzhané Wallis, de apenas 9 anos (Indomável Sonhadora) à mais velha atriz indicada, Emmanuelle Riva, que completará 86 anos na noite do Oscar, 24 de fevereiro ( Amor), passando por Jessica Chastain ( A Hora Mais Escura) e Naomi Watts (O Impossível).



Dois justificáveis motivos para correr para um bom cinema: O musical “Os Miseráveis” e a comédia dramática “O Lado Bom da Vida”. Em ambos veremos dramas, paixões, miséria, sofrimento, alegria e superação. Com ambos aprenderemos que mesmo as mais escuras tempestades podem ser domadas por  raios de esperança e solidariedade.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

COMO SE FOSSE AO VIVO



 Por José Farid Zaine
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“Lincoln”, de Steven Spielberg, chegou ao Brasil na semana passada embalado pelas 12 indicações ao Oscar anunciadas no dia 10 de janeiro. É o recorde deste ano para os prêmios da Academia, com entrega marcada para o dia 24 de fevereiro. Até lá, ou mais precisamente até o último dia para a votação, dia 19, os membros da Academia estarão atentos às diversas premiações que antecedem o Oscar e são, via de regra, termômetros que podem influenciar nas decisões. Em pelo menos três das doze indicações “Lincoln” pode ser considerado quase imbatível:  melhor ator para Daniel Day Lewis, melhor ator coadjuvante para Tommy Lee Jones e melhor roteiro adaptado para Tony Kushner, que já fez para Spielberg o roteiro do ótimo “Munique”, pelo qual Kushner foi indicado ao Oscar, mas perdeu para “O Segredo de Brokeback Mountain”. Ele é também autor do celebrado texto de “Angels in America”.

Como é comum em sua carreira brilhante, Daniel Day Lewis se entregou completamente para a criação de seu Lincoln, e o resultado não poderia ser melhor. Lewis nos dá vida completa à imagem que temos do grande Presidente americano, o 16º , amado por gerações desde seu assassinato, poucos dias após o término da guerra civil americana, que  opôs o Norte ao Sul e deixou milhares de mortos, e poucos meses após a aprovação da 13ª Emenda à Constituição, que aboliu a escravatura nos EUA. Cada gesto, cada olhar, cada silêncio, cada palavra  - e são muitas – tudo foi meticulosamente estudado pelo ator que já tem 2 Oscar no currículo ( “Meu Pé Esquerdo” e “Sangue Negro”) e está a caminho do terceiro, sempre merecidamente. Sinais de seu favoritismo foram confirmados pelo Globo de Ouro como Melhor Ator Dramático, entregue no dia 13 de janeiro, e pelo SAG (Screen Actors Guild) de Melhor Ator, que ele venceu no domingo passado.



Tommy Lee Jones é outra força de “Lincoln”. Ele está magnífico como o abolicionista Thadeus Stevens, e sua presença ilumina todas as cenas de que participa, principalmente as dos debates no Congresso, quando republicanos e democratas se enfrentam em inflamados duelos verbais na discussão da aprovação da 13ª Emenda. Jones, em 1994, ganhou o Globo de Ouro e o Oscar de melhor ator coadjuvante por “O Fugitivo”. Na semana passada, junto com Lewis, ganhou o SAG de ator coadjuvante por “Lincoln”.

Para compor a problemática e depressiva esposa de Abraham Lincoln, Mary Todd Lincoln, Spielberg fez outra escolha acertada, a de Sally Field, também já premiada como melhor atriz, tanto no Globo de Ouro como no Oscar, em “Norma Rae”, de 1979, e “Um Lugar no Coração” , de 1984.

“Lincoln”, com certeza, não agradará tanto às grandes plateias quanto os filmes mais amenos e de grande popularidade do diretor de “Tubarão”, “ET” e “Indiana Jones”. Aqui estamos diante de uma obra sóbria, construída sobre um roteiro que privilegia os diálogos, as discussões, as ideias em detrimento do espetáculo. Tudo é muito discreto, para que não se fuja à proposta. Contudo, o filme é também grandioso em sua forma, com excelente direção de arte, figurinos, fotografia, trilha sonora, tudo o que dá a “cara” de superprodução a um filme. Não se podia esperar outra coisa de Spielberg e aí ele não decepciona. Um dos mais aclamados diretores americanos agora também espera pelo seu terceiro Oscar. Ele o levou para casa duas vezes, assim como o Globo de Ouro, em dois grandes dramas de guerra, “A Lista de Schindler”, em 1994, e “O Resgate do Soldado Ryan”, em 1999.

O grande trunfo de “Lincoln” é mostrar os bastidores de uma das maiores conquistas do povo americano, a votação da emenda que colocou fim à escravidão no País. Tudo é revelado com a solidez de um roteiro magnificamente construído e com o trabalho minucioso e bem dirigido de um elenco talentosíssimo. Aliás, nesse quesito, “Lincoln” perdeu o SAG para o elenco de “Argo”, dirigido por Ben Affleck e que concorre ao Oscar em sete categorias, incluindo a de melhor filme, mas com Affleck fora das indicações para melhor direção. Um grande passo de “Argo”, com certeza.

Raras vezes o cinema nos deu mergulhos tão profundos de seus intérpretes em suas personagens como Daniel Day Lewis faz em “Lincoln”. Recentemente Marion Cotillard deu vida transbordante a Edith Piaf  em “Piaf – Um Hino ao Amor” e Meryl Streep recompôs, com assombrosa perfeição, a Primeira-Ministra Britânica Margaret Thatcher em “A Dama de Ferro”. As duas levaram o Oscar. Não é exagero dizer que Lewis, com sua impressionante criação de Lincoln, faz com que o presidente fale agora com  todo o mundo, através deste filme. E é como se fosse ao vivo.