Por José Farid Zaine
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O grande público não está habituado a filmes falados em línguas orientais, que causam certo estranhamento, apesar da beleza, da sonoridade que elas tem...Filmes iranianos, cuja língua é o persa (ou farsi), há um tempo, ganharam notoriedade nos festivais em todo o mundo, ganhando a crítica e um público restrito. Criou-se até um rótulo, um preconceito: ver esses filmes só seria para os frequentadores de festivais e mostras de cinema, porque o espectador comum morreria de tédio com eles...Pois quem quiser desmanchar definitivamente essa imagem precisa ver, com urgência, “A Separação”, magnífico drama iraniano dirigido por Asghar Farhadi. O filme, além de jamais ser tedioso ou lento, é um exemplo de cinema bem acabado, inteligente, ágil, com um roteiro primoroso que prende o espectador da primeira à última cena, merecidamente indicado ao Oscar nessa categoria.
A história contada em “A Separação” é a de um casal, Simin (Leila Hatami) e Nader (Peyman Moadi), que está se divorciando. As primeiras imagens já nos mostram os dois conversando com um juiz (que não aparece), num diálogo bastante esclarecedor, que não só nos coloca diante da situação familiar do casal, como nos revela o sistema judiciário iraniano, arcaico e dominador. Simin deseja viajar para fora do País, e com ela levar Termeh, a inteligente filha de onze anos, interpretada por Sarina Farhadi...sim, o diretor é pai dela; Nader, que a princípio iria junto, não quer ir mais por conta do pai, que tem Alzheimer e precisa de cuidados. Daí a proposta do divórcio, pois dessa forma a mulher poderia viajar e levar com ela a filha. Daí também o conflito, pois o pai não deseja separar-se dela. Um novo casal entra na história: Nader contrata uma empregada, mas o marido dela não sabe que ela vai trabalhar fora; grávida, ela vai cuidar do pai de Nader, mas sua forte religiosidade a impede de agir sem antes consultar alguém que a oriente. Ela é Razieh (Sareh Bayat) e seu marido é Hodjat (Shahab Hosseini), e eles tem uma filha pequena, Somayeh (Kimia Hosseini), cujo olhar é o espelho dos dramas vividos pelos adultos. A entrada de Razieh na história desencadeia uma sequência de acontecimentos que não dá para contar, para que não se perca nada do precioso roteiro, sabiamente concebido da primeira cena à desconcertante e instigante sequência final.
O que é a verdade? O que se esconde atrás de cada gesto, de cada olhar? Qual o poder da palavra, quando é bem colocada num contexto? Numa roda viva impressionante somos lançados a um remoinho de emoções e de expectativas, dentro de um cenário que, aos poucos, vai se tornando familiar, universal, apesar de todas as diferenças culturais, políticas e religiosas de um país que parece tão distante de nós...Mulheres cobertas pelo xador, desde a infância, regras religiosas rígidas, comportamentos masculinos e femininos delineados e rigorosos, tudo, enfim, o que norteia uma teocracia, está lá, no filme de Farhadi; ele foi capaz de derrubar a barreira da língua e dos costumes para nos introduzir por completo dentro de sua história e seus cenários. E o fez de forma tão magnífica, tão cinematograficamente acertada, que uma chuva de prêmios e indicações ao redor do mundo vem fazendo crescer o interesse pelo filme, a ponto dele precisar ser cauteloso até com seus discursos, para não ser alvo da censura e retaliações por parte do governo iraniano. “A Separação” se transformou num grande sucesso popular no Irã, levando mais de três milhões de espectadores aos cinemas de lá. Esse número deve aumentar muito depois que o filme ganhou o Globo de Ouro de Melhor Filme
Se há uma separação que merece ser celebrada, é esta, porque nos permite a aproximação com um cinema que vem de longe, mas que felizmente está ficando cada vez mais perto de nós.