sexta-feira, 28 de junho de 2013

A CAÇA, poderoso drama que vem da Dinamarca

Por José Farid Zaine
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Você começa a ver o filme “A Caça”,  e sabe apenas que se trata de um filme dinamarquês dirigido por Thomas Vinterberg, um dos criadores do movimento Dogma, que colocou o cinema da Dinamarca sob os olhares do mundo em 1995. “Festa em Família”,  o melhor filme dele até o lançamento desta obra-prima que é “A Caça” (Jagten),  era uma verdadeira demolição de uma família através de contundentes revelações, que incluíam uma crua exposição de abuso sexual cometido pelo patriarca, que tinha culpa no cartório. Logo no início de “A Caça”, somos apresentados à personagem principal, um monitor de uma escola de educação infantil chamado Lucas. De cara o espectador gosta muito de Lucas, vê seu amor pelas crianças, é informado – pelas discussões que ele tem ao telefone  com a ex-esposa – de que Lucas é pouco ambicioso e quase não tem chances de ficar com a guarda do filho adolescente.



Lucas é interpretado de forma absolutamente brilhante pelo ator Mads Mikkelsen, também presente no representante da Dinamarca no Oscar deste ano, “O Amante da Rainha”,  e mais conhecido pelo papel de vilão – irrepreensível – que desempenhou em “007 – Cassino Royale”. Por sua atuação como o simples e sensível monitor de “A Caça”, Mikkelsen  ganhou o prêmio de melhor ator em Cannes. É um justíssimo reconhecimento internacional por um trabalho soberbo, que o coloca entre os melhores atores do mundo de sua geração.
Neste filme o espectador é imediatamente também apresentado a uma outra personagem fascinante: a pequena Klara, de pouco mais de 5 anos,aluna da escolinha e que adora Lucas. Ela é filha do melhor amigo dele, e muitas vezes, por ter confiança total desse amigo,  é ele quem leva a menina para casa. A família de Klara é cheia de problemas, e ela tem hábitos de sair de casa sem ser notada, daí ficar perdida e precisar de Lucas. A menina deseja demonstrar seu amor ao Professor e lhe dá um presente. Lucas o recusa delicadamente, mas a rejeição fará com que Klara pense em castigá-lo, com as armas que pode ter em seu universo infantil. A esta altura, o espectador está completamente inserido na pele de Lucas, e passa a viver os sentimentos dele. Klara, uma lourinha angelical de olhares enigmáticos,vivida com categoria profissional pela garota Annika Wedderkopp, inventa para a diretora da escola que Lucas a teria molestado sexualmente, pois teria mostrado seu pênis a ela dentro da escola. Um ato abominável, um crime hediondo, uma coisa horrível, portanto,que não permitiria outra coisa senão condenar imediatamente, sem questionamentos, o asqueroso monitor. Desde esse momento, sabemos que é uma mentira da menina, e começa, juntamente com o sofrimento da personagem,Lucas, nossa angústia. O que pode uma declaração desse tipo causar numa diretora de escola que diz que as crianças não mentem jamais? Um tipo de cegueira irracional, que logo é compartilhada pelo assistente social,e que se alastra rapidamente entre os pais dos alunos e famílias que compõem a comunidade. Estamos falando de uma pequena cidade do interior da Dinamarca, onde todos se conhecem, onde todos os adultos compartilham as mesmas brincadeiras, as mesmas comemorações, os mesmos hábitos. A indignação do espectador só cresce e se transforma num incômodo nó no estômago,que ele não tem como combater, assim como Lucas. Acuado, como os cervos que são caçados por esporte na comunidade, ele apenas pode se ver desprezado, combatido e odiado, tentando se manter em pé com dignidade, pela plena consciência de sua inocência. A polícia, é claro, não consegue mantê-lo preso, porque não há provas contra ele. Mas para a comunidade, que encontrou um bode expiatório, nada há a fazer também senão despejar sobre ele a irracionalidade do seu desejo de que alguém pague por uma culpa desenhada com as cores do ódio coletivo.
Temos visto, e não raramente, o cinema tratar da mentira e do pré-julgamento, e com isso produzir filmes magníficos. Vale a pena rever o extraordinário drama de Wylliam Wyler “Infâmia” (The Children´s Hour), com antológicas interpretações  de Shirley Maclaine e Audrey Hepburn. Aí uma aluna maldosa faz um comentário venenoso, e duas mulheres tem suas vidas reviradas. Mas a “infâmia” proferida pela menina tinha no fundo uma dolorosa verdade, que era ocultada com grande sofrimento. Em “A Caça”, o diretor Vinterberg imediatamente trata de mostrar que Lucas é inocente, por isso não importa que eu esteja aqui contando a história. Não basta saber o roteiro, o resumo,a sinopse, para que se saiba do que realmente trata “A Caça”. É preciso vê-lo e  entrando completamente na pele de Lucas, sofrendo com ele cada segundo de seu calvário provocado pelo poder nefasto do pré-julgamento. 

E com o final atordoante do filme – terrível por sua ambiguidade - voltamos ao nosso cotidiano, mais convictos de que nossas vidas, de repente, podem ser remetidas ao inferno nas asas de uma mentira.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Sobre desejos e segredos sem fim

Por José Farid Zaine
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De tempos em tempos surge um filme que marca profundamente pela originalidade, pela inventividade e pelo arejamento que consegue dar à arte cinematográfica, provando que o talento nunca deixará de existir para que surjam obras que independam de orçamentos milionários e pirotecnias tecnológicas.
Vem da França um exemplo desses filmes geniais e perturbadores, que tornam ainda mais apaixonante o hábito de ir ao cinema: trata-se de “Dentro da Casa” (Dans La Maison), do diretor François Ozon, que se afirma como um dos melhores diretores europeus da atualidade.
“Dentro da Casa” nos introduz ao universo do Professor Germain (Fabrice Luchini), que dá aulas de francês numa escola de ensino médio. Ele divide com a mulher, Jeanne (Kristin Scott Thomas), a decepção diante do quadro apresentado por seus alunos: mediocridade e desinteresse.



A desilusão do professor Germain sofre um abalo apenas quando entra em cena o aluno Claude (Ernst Umhauer). Ao pedir que os alunos descrevam um fim de semana, Germain sofre com as bobagens e coisas vazias que os estudantes colocam em suas redações, mas se surpreende com o trabalho de Claude: ele conta com riqueza de detalhes sua entrada na casa de um amigo a quem vai ensinar matemática, revelando que sempre teve o desejo de estar lá. Fala de Rapha, o colega de classe, o Rapha pai e Esther, a mãe, de quem diz sentir “cheiro de mulher de classe média”, o que pode ser  elogioso ou não. No fim de sua redação, Claude coloca “continua”, o que mexe com o professor, finalmente excitado pela descoberta de um aluno com grandes possibilidades de se tornar um escritor. Ele passa a incentivar Claude nessa aventura de permanecer na casa do amigo, como se fosse vital a continuidade de um enredo cada vez mais intrigante e a chegada a um final que não desse margem para um “continua”...
Desde o seu início até o final surpreendente, “Dentro da Casa”nos envolve na sua atmosfera de voyeurismo imposta por Claude e assimilada por Germain. Nossa imaginação e nosso desejo de ver a trama desenrolada constroem um outro livro ou um outro filme,em que colocamos nossos próprios olhos, nossos desejos e nossas próprias frustrações.
O voyeurismo explorado por Ozon não é o mesmo celebrizado por Hitchcock em “Janela Indiscreta” (Rear Window), com Grace Kelly e James Stewart. O cérebro  de “detetive forçado” de Stewart, um fotógrafo profissional preso em seu apartamento por causa de uma fratura na perna,  interpretava o que via com os próprios olhos ou com as lentes de sua câmara, de longe, como intuito de desvendar um crime que sua imaginação concebera, e que Hitchcock, com sua habilidade costumeira ia criando na mente do espectador. Aqui vemos o que Claude  revela em suas minuciosas observações, não de longe, porque ele está dentro da casa, e seu interesse não é desvendar crimes ou mistérios.
O novo filme do diretor de “8 Mulheres” é uma joia rara que chega aos cinemas depois de passar por muitos festivais, como o do Rio, em 2012. Por aqui será preciso aguardar  o lançamento em DVD. Vale a pena anotar e esperar.
Com “Dentro da Casa”o espectador se apropria dos olhos de Claude e dos sentimentos de Germain para acompanhar, sempre com enorme interesse, os rumos tomados pela história até o seu desfecho. O filme acaba, mas em nossos corações e mentes persiste a elaboração do roteiro de uma continuação.

No cinema e na literatura os desejos e os segredos nunca terão fim. Mas sempre haverá novos olhares que nos guiarão para dentro deles.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

SANGUE NOVO NA JORNADA NAS ESTRELAS

Por José Farid Zaine
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“ Espaço: a fronteira final. Estas são as viagens da nave estelar Enterprise... Em sua missão de cinco anos... para explorar novos mundos... para pesquisar novas vidas... novas civilizações... audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve”... Com esse texto, um narrador  abria solenemente os episódios semanais de “Jornada nas Estrelas”, série surgida nos anos 1960, que quase não passou da primeira temporada nos EUA por falta de audiência. Depois de permanecer até uma terceira temporada uma legião de fãs no mundo todo não deixou que a série ficasse fora da TV. Daí para a franquia no cinema, era um passo inevitável. E depois de mais de uma dezena de filmes de sucesso, chega às salas o segundo exemplar dirigido por J.J. Abrams. Os saudosistas não terão do que reclamar, pois o filme só valoriza a história e as personagens, criando uma imagem moderna, ágil e belíssima para as aventuras da célebre nave e sua simpática tripulação. Mesmo os bem  jovens, que não viram nada do início da saga espacial ou tiveram acesso apenas ao que está disponível na internet, terão motivos de sobra para gostar.   



“Além da escuridão - Star Trek” tem todos os elementos necessários ao sucesso dos blockbusters:  o roteiro é bem amarrado, a história é interessante, os efeitos especiais são abundantes e de primeiríssima qualidade, direção de arte e fotografia são acompanhados de ótima trilha sonora (a cargo de Michael Giacchino)...e apesar do filme não ter sido originalmente filmado em 3D, a transposição para essa tecnologia trouxe um brilho extra para as qualidades visuais. A edição de som também é espetacular.
Não é só pelas qualidades técnicas, contudo, que sobrevive e se segura com dignidade essa nova aventura dirigida pelo competente Abrams, o renovador da série a partir de 2009. O elenco é excelente e traz um vigor novo para personagens tão conhecidas e adoradas pelo público: Chris Pine cai como uma luva para o Capitão Kirk; ele não é apenas o astro bonitão que é usado para chamariz, mas um bom ator de verdade. Zachary Quinto também ficou ótimo como Mr. Spock, firmando-se como o herdeiro de Leonard Nimoy, cuja breve aparição é apenas uma das citações e homenagens que estão por todo o  filme. Zoe Saldana ( a mulher azul de Avatar) também vai bem, para garantir o lado feminino, embora o caso com Spock seja mais cômico que romântico. A introdução de uma nova personagem, vivida pela bela Alice Eve, como Carol, nada acrescenta, mas também não atrapalha. A cena em que ela fica de calcinha e sutiã, sugerindo que vem aí um possível namoro com o Cap. Kirk, foi muito criticada, mas não tem relevância, nem compromete o filme.
Quem rouba a cena, entretanto, é o vilão. Não há aventura do gênero que se segure sem um bom vilão. Não ficaram boas lembranças de Eric Bana, do exemplar de 2009, então J.J.Abrams recorreu ao  excelente ator  britânico Benedict Cumberbatch para compor o terrorista John Harrison. Ele está perfeito, com seu olhar gélido e a voz profunda, além do rosto quase ebúrneo que lhe dá um aspecto meio fantasmagórico, mais do que maquiavélico.
Em “Além da Escuridão- Star Trek” não estamos apenas em uma ficção científica futurista, apesar dos cenários e do ano em que se passa a ação. Na história temos um atentado terrorista, a procura obstinada pelo autor e um misto de violência e desejo de vingança. O ataque a uma biblioteca no centro de Londres não é mera coincidência que tenha semelhança com o 11 de setembro em Nova York, e depois com a caça a Bin Laden ou o sentimento que dominou a nação americana após o trágico acontecimento.
“Star Trek” valoriza o nome de J.J. Abrams, que será o responsável pela direção da continuação de uma das franquias mais bem-sucedidas da história do cinema, “Star  Wars”. Com certeza sua ousadia e seu domínio sobre o ritmo frenético de aventuras espaciais garantiram sua escolha.
Depois de várias pré-estreias por todo o Brasil na semana passada e nesta, o novo “Star Trek” está chegando ao circuito normal para ocupar centenas de salas. O filme tem um início frenético, marcado por imagens e cores impressionantes, além da música poderosa e envolvente. O espectador é “agarrado” nas primeiras sequências e o ritmo permanece durante as mais de duas horas que se sucedem, sendo amenizado pelo humor quase sempre presente em afiados e inteligentes diálogos. Estamos falando, obviamente, de um ótimo divertimento, embora nada mais que o prometido.

O novo filme, assim como o anterior, abandonam o nome “Jornada nas Estrelas” para que se fixe o título “Star Trek”, sem tradução. Nada tira, contudo, a ligação umbilical com a história original, concebida para a TV em uma produção modestíssima, se comparada com a atual versão para a tela grande, que consumiu mais de 180 milhões de dólares. Essa soma, sem dúvida, voltará em dobro brevemente para os cofres dos estúdios. Sucesso quase tão veloz quanto  a Enterprise “entrando em dobra” em busca do espaço, a fronteira final!