Por José Farid Zaine
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Os cinemas estão abarrotados com o lançamento, na semana passada, de “Harry Potter e as Relíquias da Morte, Parte 2”. O longa, último da série,que vem batendo sucessivos recordes de bilheteria em todo o mundo, já se transformou na maior abertura de todos os tempos, e corre para ser uma das maiores rendas da história. As aventuras do bruxinho vivido por Daniel Hadcliff estão entre os dos maiores achados do cinema puramente destinado ao divertimento.
A cinessérie tem seguidores, não fãs, como foi o caso de “Star Wars”. O que levou multidões a desejarem ver tão rapidamente o desenrolar da trama que acompanham desde 2001, quando o pequeno mágico era um garotinho? Será que o público está sofrendo com uma sensação de perda, de abandono, agora que a série acabou? Ou havia um desejo oculto de preservação da imagem de Harry, como se assim a própria pessoa permanecesse jovem para sempre? Mas é inexorável: até Harry Potter envelhece, até Daniel Hadcliff . Só Dorian Gray é que não...Exatamente: enquanto as últimas peripécias e malabarismos acontecem em Hogwarts, e inundam a tela grande, chega às locadoras o filme de Oliver Parker, “O Retrato de Dorian Gray”, inspirado no célebre romance de Oscar Wilde. Aí sim a juventude é o dom a ser preservado, porque ela encerra a beleza. A obra de Wilde é profunda na discussão da arte, da moral, com seu texto belo e dramático em que a sugestão é muito mais sutil do que a ação escancarada. O filme de Parker é estrelado por Ben Barnes, ele mesmo, o Príncipe Caspian das “Crônicas de Narnia” e pelo vencedor do Oscar deste ano, Colin Firth, ator de primeiríssima classe, vindo de sucessivos sucessos de crítica por suas interpretações estudadas, todas produto do tempero equilibrado entre talento e técnica.
Barnes é Dorian Gray, que vende a alma ao diabo para permanecer eternamente jovem, enquanto o seu retrato, pintado por um artista fascinado por sua beleza (interpretado por Ben Chaplin), envelhece e vai assumindo as marcas da vida corrupta e devassa do modelo. O jovem ator Ben Barnes se esforça, mas nem sempre consegue dar a intensidade necessária a uma personagem tão conhecida como Dorian Gray. Sua imaturidade artística fica evidente.
A magnífica ideia, que no livro é tratada com a elegância do texto admirável de Wilde, no filme descamba para o terror explícito, algumas vezes grosseiro. Efeitos especiais atualíssimos remetem aos filmes dedicados a jovens que gostam de aventuras escandalosas, onde o sangue jorrando é elemento indispensável. Uma “climatização” à antiga, contudo, faz lembrar os velhos filmes de terror da Hammer, produtora inglesa que se notabilizou no mundo por seus filmes desse gênero. Aliás, a Hammer, que teve seu auge nos anos 1950 aos 1970, retorna agora com remakes de seus maiores sucessos.
“O Retrato de Dorian Gray” tem a seu favor um tratamento plástico esmerado, com cenários e figurinos muito bons, além da ótima direção de arte. Esta também derrapa em alguns pontos, como o da criação de uma Londres lúgubre, escura e decadente, para combinar com as andanças, digamos, nada ortodoxas do jovem Dorian, quando mergulha num mundo onde o que vale é o prazer imediato, mesmo que esse custe a destruição de vidas. Para Dorian Gray qualquer horror será cometido em nome da manutenção do seu segredo, o da permanência da beleza e da juventude. Oliver Parker parece não querer nada com a sutileza do texto original, e carrega nas tintas de um sexo sempre associado à sujeira e à tragédia. Sabe-se o inferno que Oscar Wilde teve de viver, por conta de sua homossexualidade. No romance há insinuações do relacionamento de Dorian com o pintor, mas no filme o diretor quis torná-las explícitas.
Por basear-se numa história que se desenrola em torno de um quadro, o filme de Oliver é bastante pictórico. Muitas cenas são tão bonitas como uma bela tela.
O paralelo entre Harry Potter e Dorian Gray, pela coincidência dos lançamentos, vem dos sentimentos que tive em relação aos dois: num deles a sensação da perda, do fim de uma etapa da vida, da inexorabilidade que é aceita...no outro, a repulsa ao tempo e às transformações que ele provoca.
As dicas da semana então ficam para “Harry Potter e as Relíquias da Morte, Parte 2”, dirigido por David Yates, nos cinemas, e “O Retrato de Dorian Gray”, nas locadoras. “O Tempo não Para”, cantava Cazuza, e com essa verdade vamos nos deparar sempre, e tanto o bruxinho de J.K.Rowling quanto o eterno dândi de Oscar Wilde estão aí para reforçar essa lembrança.
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