Por José Farid Zaine
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Anthony Hopkins está na pele de Alfred Hitchcock no filme “Hitchcock”, baseado no livro que relata o making-off de “Psicose” (Psycho), um dos maiores sucessos do mestre do suspense e um dos maiores filmes do gênero feitos até hoje...Paradoxalmente, “Psicose” foi realizado com um baixo orçamento, financiado pelo próprio diretor, porque a Paramount, com a qual tinha contrato, não queria investir um centavo em um filme de terror em que a “mocinha” morria aos trinta minutos de exibição...Obstinado, Hitchcock , com o apoio de sua mulher e melhor amiga, Alma Reville, moveu céus e terra, brigou com censores e executivos, hipotecou sua casa e arrumou o dinheiro para financiar o filme. Ele adquiriu os direitos de filmagem do livro homônimo de Robert Bloch, e, corajosamente, mandou comprar todos os exemplares do livro colocados à venda, para que ninguém soubesse o final da história. Com tudo contra, incluindo problemas de saúde e uma crise conjugal por ciúmes de Alma, Hitchcock foi driblando todas as dificuldades com golpes de mestre. Quando o filme ficou pronto, a Paramount se recusou a exibi-lo. Hitch e Alma, então, reeditaram a obra, tornando-a mais ágil e enxuta, e foi preparado um lançamento modesto, mais cheio de armas para estimular o “boca a boca”. Essas armas incluíam um manual para os exibidores, orientando sobre como deveria ser tratado o público: nenhuma pessoa poderia entrar após o início da sessão, guardas seriam convocados pra evitar tumultos, haveria avisos sobre os choques emocionais que os espectadores poderiam sofrer...Não deu outra: contra as mais pessimistas previsões dos executivos, “Psicose” logo se transformou num arrasador sucesso de público, até chegar à cifra de 40 milhões de dólares nas bilheterias, contra o investimento de apenas 800 mil.
“Hitchcock” tem muitas qualidades. Para quem viu “Psicose”, a versão original de 1960, é um exercício fascinante acompanhar os passos da produção desse grande clássico, saber como foram feitas as escolhas para o elenco, e analisar o comportamento dos executivos de Hollywood nesse período, a censura ridícula que imperava e determinava o que podia ser visto ou não. Infelizmente, a parte mais interessante, a que revela a filmagem das sequências, é a menor, com um destaque absolutamente natural para uma das cenas mais emblemáticas do filme, e que se transformou, juntamente com a trilha sonora que a acompanha, também numa das cenas mais icônicas do cinema em todos os tempos: a morte da protagonista, Marion Crane, no chuveiro. A intérprete original foi Janet Leigh, agora vivida por Scarlet Johansson. Consta que a cena foi exaustivamente filmada, com dezenas de tomadas de todos os ângulos, e preocupações extremas com mínimos detalhes. O som da faca no corpo, por exemplo, foi tirado de facadas num melão...a música, uma das mais famosas do cinema, composta por Bernard Herrmann, entrou quase no final da edição, quando Hitchcock se convenceu de que era realmente boa.
Para quem deseja ver “Hitchcock” no cinema e não viu “Psicose”, é preciso antes passar numa locadora e assistir a este thriller aterrorizante, em sua versão original, em preto e branco, com Janet Leigh, Anthony Perkins, Vera Miles e John Gavin. Que ninguém se equivoque e leve pra casa a versão feita por Gus Van Sant em 1998, colorida, e rigorosamente dispensável.
Anthony Hopkins, um grande ator, não tem em “Hitchcock” um de seus melhores momentos. Ele está bastante caricato, o que é uma surpresa, e a maquiagem não convence. É só comparar cenas do filme com imagens verdadeiras de Alfred Hitchcock, existentes aos milhares na internet. Tive muita expectativa pra ver esse filme, pois achava que, diante da excelência da carreira de Hopkins, ele poderia repetir, com seu Hitch, o que Meryl Streep fez com Margaret Thatcher, o que Marion Cotillard fez com Piaf ou o que Daniel Day-Lewis fez com Lincoln. Mas ele passa muito, muito longe disso. Já Helen Mirren, como a segura, sensata e prática Alma, carrega o filme, chegando a ofuscar a personagem principal.
Muitos críticos tem “detonado” o filme dirigido por Sacha Gervasi. Uma das maiores reclamações é quanto aos diálogos imaginários de Hitchcock com o serial killer que inspirou Robert Bloch a criar “Psicose”. Isso não era necessário, com toda a certeza. Enfim, o longa tem problemas, mas tem qualidades suficientes para que se possa indicá-lo, principalmente aos fãs do mais importante criador de filmes de suspense da história do cinema, o diretor que tiranizava suas musas, suas belas loiras , como foram Grace Kelly, Kim Novak e, principalmente, Tippi Hedren, que fez com ele “Marnie, Confissões de Uma Ladra” e “Os Pássaros”. A obscura relação com Hedren é tema de um telefilme muito elogiado, “The Girl”, indicado ao Globo de Ouro.
“Hitchcock”, em cartaz no Brasil desde a semana passada, tem mais pontos de interesse sem ser a filmagem de “Psicose”. Ele revela que o gênio, obcecado pela perfeição e com um temperamento fortíssimo, tinha Alma. Sim, Hitchcock tinha alma, a sua Alma, para quem esse filme faz alguma justiça.
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