sexta-feira, 10 de maio de 2013

STREETS OF BRASILIA

Por José Farid Zaine
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É difícil passar  pelas ruas de Brasília sem se lembrar da ditadura militar, que durou de 1964 a 1985. A cidade, oficialmente nascida em 1960, mal respirara os ares da democracia no planalto central, quando se transformou em sede de sucessivos governos militares, tendo sua imagem colada à ditadura, à falta de liberdade de expressão, aos atos institucionais que amordaçaram o cidadão brasileiro. Uma censura estúpida, contudo, ao invés de calar nossos artistas, estimulou a criação e, como em nenhum outro período, a inquietação, a revolta e a indignação produziram  um enorme volume de produções culturais, artísticas e intelectuais que marcariam para sempre a nossa História.



Quando um garoto nascido no Rio, no mesmo ano da inauguração  de Brasília, mudou-se para a nova capital aos 13 anos,  a ditadura militar recrudescia, assim como o desejo de mudar essa situação incendiava o coração dos jovens. Ele se chamava Renato Manfredini, tinha uma sólida família, podia estudar...Quando teve uma doença óssea e precisou ficar cerca de seis meses numa cama, preencheu sua mente e seu coração com música, muita música. Ao se recuperar, seu destino estava traçado . A cidade era Brasília, era preciso fazer alguma coisa. Era preciso arrancar vida daquela arquitetura que o mundo todo admirava e celebrava. A cidade era seca, tal qual o ar  que a envolvia. Então eles vieram, os garotos com suas guitarras, com seus versos inflamados que traduziam tudo o que uma geração queria dizer. Intérprete dessa geração, Renato criou canções explosivas, românticas, políticas, verdadeiras.

O filme de Antonio Carlos Fontoura, “Somos tão jovens”, que estreou na semana passada em todo o País, nos leva a Brasília dos anos 1980, quando Renato e seus amigos, primeiramente como Aborto Elétrico, depois como Legião Urbana, mudaram a trilha sonora da Capital e a levaram para todos os cantos. Fontoura poderia ficar muito mais livre, levado mais tempo pela música da Legião do que pelo roteiro esquemático de Marcos Bernstein. Contudo, ele consegue nos fazer mergulhar no tempo e na cidade, mais por nos permitir cantar todas as músicas do que por nos fazer matar a curiosidade sobre a vida do cantor antes da fama. O interesse por Renato, a pessoa, vem do seu intérprete, o ator Thiago Mendonça. Ele manda bem  como o irrequieto, dramático e arrogante compositor, é bem parecido com ele, embora mais bonito. A princípio, a atuação poderia parecer esquemática demais, no caso de um espectador não ter visto ou não ter se lembrado das aparições de Renato, facilmente encontradas na internet. Entretanto, se o esquematismo vale para Thiago, não funciona para os outros. De seus jovens companheiros de elenco, salva-se a intérprete de Aninha, Laila Zaid. A amiga de Renato ganha grande espaço na trama, a ponto de mascarar o comportamento do cantor, sendo que seu envolvimento com drogas e sua homossexualidade ocupam um plano discreto e delicado demais. Enfim, uma obra que se diz “filme de ficção baseado na vida de Renato Russo”, pode criar personagens e maquiar algumas sem se comprometer.



“Somos tão jovens” não é um grande filme, mas é interessante, principalmente pelo seu clima nostálgico e pelas canções que permanecem vivas e atuais, e faz com que a plateia deseje cantá-las, como se estivesse num show da Legião. E, apesar do tom nostálgico, é um filme alegre. Quem esperava uma biografia completa do cantor e compositor, cobrindo toda sua vida e sua carreira, até o fim tão triste, ficará decepcionado. Há boatos de um segundo filme, completando a biografia. Essa continuação, se acontecer, não poderá omitir o sucesso imenso no Brasil e no mundo das canções de Renato, nem a sua prolongada e dolorosa enfermidade, num tempo em que a Aids era sentença de morte, essa morte iminente que ele sentia e que fez nascer a lancinante “A Via Láctea”, do último disco, “A Tempestade”.

Sim, impossível andar pelas ruas de Brasília sem se lembrar de Renato Russo, sem cantar algum sucesso da Legião Urbana. “Somos tão Jovens” é bem isso: um bilhete para percorrermos a cidade e compreendê-la como berço de um já histórico movimento musical. Pena que nos lembremos também do fim trágico de uma vida tão produtiva. Bruce Springsteen, se passasse pela nossa capital ouvindo a voz do trovador cantando “Por Enquanto”, talvez trocasse sua comovente “Streets of Philadelphia” por “Streets of Brasilia”...

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