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É
difícil passar pelas ruas de Brasília
sem se lembrar da ditadura militar, que durou de 1964 a 1985. A cidade,
oficialmente nascida em 1960, mal respirara os ares da democracia no planalto
central, quando se transformou em sede de sucessivos governos militares, tendo
sua imagem colada à ditadura, à falta de liberdade de expressão, aos atos
institucionais que amordaçaram o cidadão brasileiro. Uma censura estúpida,
contudo, ao invés de calar nossos artistas, estimulou a criação e, como em
nenhum outro período, a inquietação, a revolta e a indignação produziram um enorme volume de produções culturais,
artísticas e intelectuais que marcariam para sempre a nossa História.
Quando
um garoto nascido no Rio, no mesmo ano da inauguração de Brasília, mudou-se para a nova capital aos
13 anos, a ditadura militar recrudescia,
assim como o desejo de mudar essa situação incendiava o coração dos jovens. Ele
se chamava Renato Manfredini, tinha uma sólida família, podia estudar...Quando
teve uma doença óssea e precisou ficar cerca de seis meses numa cama, preencheu
sua mente e seu coração com música, muita música. Ao se recuperar, seu destino
estava traçado . A cidade era Brasília, era preciso fazer alguma coisa. Era
preciso arrancar vida daquela arquitetura que o mundo todo admirava e
celebrava. A cidade era seca, tal qual o ar
que a envolvia. Então eles vieram, os garotos com suas guitarras, com
seus versos inflamados que traduziam tudo o que uma geração queria dizer.
Intérprete dessa geração, Renato criou canções explosivas, românticas, políticas,
verdadeiras.
O
filme de Antonio Carlos Fontoura, “Somos tão jovens”, que estreou na semana
passada em todo o País, nos leva a Brasília dos anos 1980, quando Renato e seus
amigos, primeiramente como Aborto Elétrico, depois como Legião Urbana, mudaram
a trilha sonora da Capital e a levaram para todos os cantos. Fontoura poderia
ficar muito mais livre, levado mais tempo pela música da Legião do que pelo
roteiro esquemático de Marcos Bernstein. Contudo, ele consegue nos fazer
mergulhar no tempo e na cidade, mais por nos permitir cantar todas as músicas
do que por nos fazer matar a curiosidade sobre a vida do cantor antes da fama.
O interesse por Renato, a pessoa, vem do seu intérprete, o ator Thiago
Mendonça. Ele manda bem como o
irrequieto, dramático e arrogante compositor, é bem parecido com ele, embora
mais bonito. A princípio, a atuação poderia parecer esquemática demais, no caso
de um espectador não ter visto ou não ter se lembrado das aparições de Renato,
facilmente encontradas na internet. Entretanto, se o esquematismo vale para
Thiago, não funciona para os outros. De seus jovens companheiros de elenco,
salva-se a intérprete de Aninha, Laila Zaid. A amiga de Renato ganha grande
espaço na trama, a ponto de mascarar o comportamento do cantor, sendo que seu
envolvimento com drogas e sua homossexualidade ocupam um plano discreto e
delicado demais. Enfim, uma obra que se diz “filme de ficção baseado na vida de
Renato Russo”, pode criar personagens e maquiar algumas sem se comprometer.
“Somos
tão jovens” não é um grande filme, mas é interessante, principalmente pelo seu
clima nostálgico e pelas canções que permanecem vivas e atuais, e faz com que a
plateia deseje cantá-las, como se estivesse num show da Legião. E, apesar do
tom nostálgico, é um filme alegre. Quem esperava uma biografia completa do
cantor e compositor, cobrindo toda sua vida e sua carreira, até o fim tão
triste, ficará decepcionado. Há boatos de um segundo filme, completando a
biografia. Essa continuação, se acontecer, não poderá omitir o sucesso imenso
no Brasil e no mundo das canções de Renato, nem a sua prolongada e dolorosa
enfermidade, num tempo em que a Aids era sentença de morte, essa morte iminente
que ele sentia e que fez nascer a lancinante “A Via Láctea”, do último disco,
“A Tempestade”.
Sim,
impossível andar pelas ruas de Brasília sem se lembrar de Renato Russo, sem
cantar algum sucesso da Legião Urbana. “Somos tão Jovens” é bem isso: um
bilhete para percorrermos a cidade e compreendê-la como berço de um já
histórico movimento musical. Pena que nos lembremos também do fim trágico de
uma vida tão produtiva. Bruce Springsteen, se passasse pela nossa capital
ouvindo a voz do trovador cantando “Por Enquanto”, talvez trocasse sua
comovente “Streets of Philadelphia” por “Streets of Brasilia”...
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