Por José Farid Zaine
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Um título paradoxal...como pode um filme ser bom e ruim? Se me perguntarem se “Poucas Cinzas – Salvador Dali” é bom, eu direi que não. Se perguntarem se eu indico o filme aos leitores e leitoras, eu digo que sim...como é isso? Eu explico. O filme de Paul Morrison foi detonado pela crítica na época do seu lançamento. Agora ele sai em DVD e podemos afirmar, sem medo, que ele dá uma boa sessão doméstica... Não se trata de nenhuma obra-prima, mas também não é o horror que pintaram. Porque eu estaria indicando um filme assim, se eu mesmo acho que não é tão bom? É que o assunto tratado é da maior relevância e, se bem colocado, daria um filme espetacular. Quem pode achar desinteressante uma história que fale de um suposto caso amoroso entre dois gênios das artes, um da literatura e outro da pintura? Pois “Poucas Cinzas” se fixa no romance entre Federico Garcia Lorca e Salvador Dali. O próprio Dali teria revelado, pouco antes de morrer, detalhes do tumultuado caso com o escritor, caso que começou nos tempos em que ambos frequentaram a mesma universidade. Por considerar que o público teria interesse mesmo nesse romance, o filme não vai fundo na obra magnífica de Lorca, principalmente nas suas consagradas peças teatrais, e passa com voo rasante sobre sua incandescente poesia, mas capta apenas fagulhas. Da mesma forma, passa também sem qualquer aprofundamento sobre a obra polêmica e a personalidade extravagante de Dali. Há ainda um terceiro gênio na história, outro contemporâneo dos dois, um terceiro e enorme talento espanhol, o do cineasta Luis Buñuel, interpretado por Matthew MacNulty. Ao mesmo tempo em que nos mostra as relações de amizade entre os três, Morrison revela um Buñuel exageradamente homofóbico, coisa difícil de engolir quando se trata de um cineasta revolucionário como foi o diretor de “O Discreto Charme da Burguesia” e outras obras-primas, entre elas “Belle de Jour”, com Catherine Deneuve.
O principal problema de “Poucas Cinzas” é o intérprete de Salvador Dali. O pintor, que misturava a extravagância com certa timidez, é com toda a certeza uma personagem muito forte, muito marcada pela quantidade de informações existentes sobre sua vida e sua obra. Para interpretar Dali, com uma performance à altura do significado do artista, seria necessário um ator de muitos recursos, muito talentoso, para dar conta de dar verossimilhança à interpretação. Quem foi o escolhido? Robert Pattinson, que não sabe fazer outra coisa a não ser o pálido e juvenil vampiro da saga “Crepúsculo”. O garoto é muito ruim, e é o principal fator do comprometimento da qualidade do filme. Há alguns momentos de certa química entre os dois protagonistas, em algumas cenas de tensão erótica, mas há outras de um romantismo cheio de clichês, como as cenas no mar escuro, sob o clarão da lua. Pattinson não tem postura para ostentar os bigodes de Salvador Dali.
Já o intérprete de Lorca, Javier Beltrán, pela semelhança com o escritor andaluz, não compromete tanto, embora esteja longe de fazer jus ao monumental autor de “Bodas de Sangue”, “A Casa de Bernarda Alba” e “Yerma”, só para citar três de suas obras-primas para o teatro.
O fato de eu recomendar o filme é justamente pela possibilidade dos amantes de Lorca conhecerem um pouco mais de sua história, do seu envolvimento com a política contrária à ditadura de Franco e do seu absurdo e covarde assassinato, calando uma das vozes mais iluminadas do século XX.
Portanto, caros leitores e leitoras, se desejarem entrar na vida de três grandes talentos espanhóis, Lorca, Dali e Buñuel, e se tiverem essa vontade quase voyeurista de saber se foi verdadeiro o romance entre Salvador e Federico, devem ver “Poucas Cinzas – Salvador Dali”. Mas se quiserem ver algo que tenha a força dos versos de Lorca, a ousadia das pinturas de Dali e a genialidade dos filmes de Buñuel, esqueçam-no... e me perdoem!
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