sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A NOVA PELE DE ALMODÓVAR


Por José Farid Zaine
farid.cultura@uol.com.br
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Facebook: Farid Zaine

As viagens de Almodóvar pelos porões das mentes e dos corações das pessoas carregam sempre os mesmos passageiros: mães e filhos com relacionamentos estranhos e conturbados, mulheres fortes e determinadas, homens trágicos, sombras do passado... e o sexo, onipresente, e da maneira menos ortodoxa possível. Ao mexer com sonhos, fantasias e desejos ocultos das pessoas, Almodóvar sempre revela um universo familiar em desalinho, daí a composição de suas personagens tão peculiares. Ele se daria muito bem filmando uma das peças de Nelson Rodrigues.

“A Pele que Habito”, novo filme do diretor espanhol, estreia nesta semana em todo o Brasil, e teve várias pré-estreias na semana passada. Um novo filme de Pedro Almodóvar sempre vira um acontecimento no meio cinematográfico. Ele tem uma legião de fãs por aqui, país com o qual ele tem fortes laços afetivos, muito pela amizade com Caetano Veloso.

As histórias estranhas, dramáticas e cheias de enredos mirabolantes são marcas de Almodóvar, assim como as cores fortes que ele usa, que sempre dão um caráter pictórico a seus filmes, as famosas “cores de Almodóvar”. Em “A Pele Que Habito”, elas estão presentes, mas um pouco mais discretas para combinar com o jeitão “noir” do novo trabalho. Ele busca aqui o ser humano refeito, recomposto, talvez para reforçar o quão imperfeito ele é. A história é a de um cirurgião plástico vivido por Antonio Banderas, o Dr. Robert Ledgard , cuja esposa sofre um acidente e tem o corpo todo queimado. Robert buscará, por meio de todos os recursos que conhece, lícitos e ilícitos, pesquisar a produção de uma nova pela humana, resistente às mais terríveis queimaduras. O cinéfilo atento verá aí inevitáveis comparações com os clássicos de terror que Almodóvar deve conhecer a fundo: Frankenstein, principalmente, e seus derivados, como A Noiva de Frankenstein. Modificar um ser humano, praticamente criando outro, sem prever as consequências que isso pode ocasionar tem sido um dilema tratado com imensa cautela pela Ciência. Leis rígidas deixam claros os propósitos de impedir o uso do ser humano como cobaia de novas experiências na era do código genético desvendado. A Bioética está aí para direcionar tudo. Mas como em Almodóvar o que menos importa são regras, o Dr. Robert tratará de quebrar todas elas. Antonio Banderas e Marisa Paredes estão entre os preferidos do diretor. E eles sempre se dão muito bem sob a batuta de seu mestre. Banderas protagonizou um dos mais cultuados filmes de Almodóvar, “A Lei do Desejo”, além de outros sucessos como “Ata-me”, ”O Matador”, “Labirinto de Paixões” e “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos”. Marisa Paredes, grande nome do cinema espanhol, está presente na obra-prima “Tudo Sobre Minha Mãe”, que deve ser visto e revisto sempre que se deseja analisar a obra de Almodóvar. Ela, diva do diretor, está também em “De Salto Alto”, “Maus Hábitos” e “A Flor do Meu Segredo”. Ela veio ao Brasil divulgar o lançamento de “A Pele que Habito” e contou, no Programa do Jô, a história de seu longo relacionamento profissional e de amizade com Almodóvar.

Todos os filmes estrelados por Antonio Banderas e todos os por Marisa Paredes, dirigidos por Pedro Almodóvar, devem ser vistos. Claro, os outros do diretor também, especialmente “Fale com Ela”, “Carne Trêmula”, “Má Educação” e “Volver”. Tarefa divertida e apaixonante é esta, a de revisitar os sucessos do diretor.

E para quem tem chance de viajar um pouco, o negócio é procurar um cinema de São Paulo ou de Campinas onde esteja sendo exibido “A Pele Que Habito”. Vale a pena conferir a nova investida do irrequieto Pedro Almodóvar ao universo dos estranhos desejos que habitam o íntimo dos seres humanos. É ele, Pedro Almodóvar, que vamos encontrar habitando uma nova pele, a de um diretor que se renova permanentemente sem perder as características de sua verdadeira face.

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