segunda-feira, 28 de novembro de 2011

EUROPA AOS PEDAÇOS



Por José Farid Zaine

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Tenho tido ótimos momentos com uma coleção de cinema que vem para as bancas de jornais e revistas todas as semanas. Eu não me contento em comprar a coleção toda de uma vez, porque para quem faz isso os filmes chegam depois...então eu vou à banca, mesmo, semanalmente, para adquirir meu exemplar. Muitos dos meus filmes favoritos estão ali, e revisitá-los tem sido uma tarefa agradável e emocionante. Lembro-me do impacto que causou em mim “Roma, Cidade Aberta”, de Roberto Rosselini, quando o vi pela primeira vez, quando muito jovem. Pensei que nunca veria nada melhor. Era apenas o princípio de uma paixão duradoura por um cinema verdadeiramente comprometido com a arte. Não que eu não curta os blockbusters, as grandes produções campeãs de bilheteria, as aventuras movimentadas e as fantasias delirantes produzidas pela alta tecnologia. Mas tenho uma enorme vontade de fazer com que jovens que vejam só esse tipo de filme, experimentem algumas dessas obras-primas imortalizadas pelas infinitas possibilidades de preservação através de novas mídias que surgem. Viva a tecnologia, quando ela se presta a salvar a arte, a dar longevidade à emoção , à beleza, à inteligência...


Seria maravilhoso se os fãs da saga “Crepúsculo” abandonassem um pouquinho o romance entre Bella e Edward, para verem o que é o amor, se é vivido por gente do tipo de Sophia Loren e Marcello Mastroianni. Com eles, sim, somos capazes de viver uma intensa história de amor, com um nó na garganta que nos carrega para dentro da tela...E “Asas do Desejo”, de Wim Wenders? Como resistir ? E porque o cinema americano continua com essa mania de refilmar obras-primas tirando-lhes toda a genialidade, para colocá-las numa linguagem rasa, fácil, que vise apenas os números nas bilheterias? Como alguém poderia refazer “Rocco e Seus Irmãos” , uma vez que foi dirigido por Luchino Visconti? Como substituir Alain Delon, Annie Girardot, Renato Salvatori, Claudia Cardinale? Como recriar aquela trágica, bela e poética fotografia em preto e branco? Pois que ninguém se atreva a destruir essas maravilhas, todas sobreviventes ao tempo, sem perder sua qualidade. É assim, originais, que elas precisam ser vistas e curtidas, agora ou daqui a décadas.


Os grandes problemas da Europa, principalmente a Segunda Guerra, inquietaram e angustiaram os mestres da sétima arte. Dessa amargurada visão nasceram maravilhas como “Roma, Cidade Aberta”, um dos marcos do neorrealismo italiano. Esse clássico pode mostrar a dimensão do talento de Anna Magnani, e apenas isso já garante ao filme um lugar na lista dos melhores de todos os tempos.


Como alguém poderia deixar de se apaixonar por “Cinema Paradiso”, uma das mais belas e comoventes homenagens ao cinema já feitas? A amizade entre o menino Totó (Salvatore Cáscio) e o projecionista vivido por Philippe Noiret entrou para a história da sétima arte. Um filme irresistível em qualquer tempo, com uma das mais lindas, criativas e poéticas sequências finais já editadas.


E como alguém poderia dizer que conhece cinema sem ter visto “A Doce Vida”, de Fellini, com a icônica cena de Anita Ekberg dentro das Fontana de Trevi? E o que dizer de Bernardo Bertolucci e seu revolucionário “Último Tango em Paris”, veículo para o maior ator que o mundo já teve, Marlon Brando? Com sua extrema inquietação europeia, Bertolucci sacudiu o mundo.


Da Suécia Ingmar Bergman nos traz seus “Morangos Silvestres”, essa viagem onírica que constitui uma experiência única e apaixonante, para aqueles que desejam mergulhar no trabalho de artistas tão completos, cuja capacidade de criar é inesgotável.


A Europa vive agora dias angustiantes, de incertezas e preocupações. O mundo vê, assustado, o velho continente vendo seus pedaços mergulhados em crises que se anunciam cada vez mais duradouras. Isso já deve estar mexendo com os sentimentos dos cineastas europeus, e não duvidem que magníficos filmes já estão sendo gerados, produtos dessa turbulência.


Palmas para a Folha de São Paulo, transformada na minha sala exibidora favorita em todos os fins de semana. Ela me oferece pedaços da Europa que eu devoro, não como tenros pescocinhos de pálidos vampiros adolescentes, mas como alimento vital para meu coração de celuloide.

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