sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O INÍCIO, O FIM E O MEIO


Por José Farid Zaine
farid.cultura@uol.com.br
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Logo no início as cenas de “Easy Rider” e a presença de Elvis Presley nos dão um resumo sobre o biografado: veremos a história de um rebelde, um inquieto, um visionário, um revolucionário, enfim. Assim foi Raul Seixas. Sua obra é a maior prova do poder que o artista tem de mudar o seu tempo, as cabeças das pessoas. É impressionante a sobrevivência da música de Raul, refletida na atualidade delas e na fidelidade de uma multidão de fãs, já multiplicados em uma nova geração.



O documentário de Walter Carvalho, “Raul – O Início, O Fim e o Meio”, é um filme obrigatório para os amantes da música popular brasileira, do rock nacional, para os estudiosos da nossa história recente, enfim, para todos os brasileiros. A primorosa edição transforma a obra em um filme emocionante, envolvente, realmente capaz de captar as nuances de um compositor e cantor que deixou marcas indeléveis na história de nossa música. “Toca Raul!” , grito dos fãs em quase todos os shows, passou a ser um bordão repetido à exaustão, significando muito mais do que pedir a banda para executar músicas do repertório do ídolo. Siginifica a presença dele, intensa e irreversível, mais de 20 anos depois de sua morte, e o desejo de se ouvir música boa que tenha algo a dizer, coisa tão rara nesses nossos tempos de “oi, oi, oi”.



Os documentários costumam pecar por suas longas e monocórdias entrevistas. Aqui não é o caso. As entrevistas em “Raul – O Início, o Fim e o Meio” são ótimas, muito bem aproveitadas, algumas delas se transformando em belos momentos, como Caetano Veloso cantando “Ouro de Tolo”, uma das mais significativas composições de Raul, revolucionária e que trazia uma semente do rap, com sua letra praticamente falada, mesmo havendo uma melodia que também se tornou inesquecível. Incrível verificar, hoje, como a censura daqueles anos de chumbo, rigorosíssima na época do auge da ditadura militar, não a tenha proibido. Talvez a censura tenha sido tão burra, que não conseguiu captar o pleno significado da letra.



Walter Carvalho dosou com competência e sensibilidade os depoimentos de Caetano, Paulo Coelho, Tom Zé, Pedro Bial, amigos, filhas, ex-esposas. E Raul esteve presente, de corpo inteiro, nas suas entrevistas, nas suas aparições polêmicas, nas imagens preservadas de sua passagem pelos palcos em shows arrebatadores, nos clipes exibidos na televisão. Um dos momentos mais tocantes é justamente uma das gravações mais antigas da TV, ainda em preto e branco, quando ele canta “Maluco Beleza”, que juntamente com “Gita”, “Metamorfose Ambulante” e “Sociedade Alternativa” jamais deixam de estar presentes nas seleções de favoritas dos seus fãs, transformados em verdadeiros seguidores.



O filme de Walter Carvalho não esconde nada sobre o ídolo: traz as imagens de sua rebeldia de adolescente, quando se apaixonou pelo filme “Balada Sangrenta” (King Creole), com Elvis Presley, e passou a ser influenciado pelo rock e pelos grandes músicos norteamericanos, passa por sua trajetória até chegar ao estrelato, e revela sua incursão pelo mundo das drogas e das bebidas. Paulo Coelho não esconde o fato de ter sido ele a apresentar as drogas ao parceiro, mas num tempo, segundo ele, em que “já era casado, tinha uma filha e sabia o que estava fazendo”! Surgem, nos diversos depoimentos, histórias dramáticas sobre o “começo do fim” de Raul, quando já não havia mais controle sobre a bebida e as drogas, e ele passou a não cumprir compromissos, a causar problemas em agendas de shows. O cantor Marcelo Nova surgiu como um “salvador”, tirando Raul do ostracismo, já que as gravadoras e os produtores musicais passaram a fugir dele. No período em que já estava bem doente, Nova levou Raul para um show seu, o que viria depois a se transformar numa maratona de 50 shows. Teria sido isso um motivador do agravamento da saúde do ídolo do rock nacional? Teria Marcelo Nova se aproveitado do sucesso de Raul para se promover? Até mesmo essas questões contundentes são tratadas, com depoimentos do próprio Marcelo Nova, e de Caetano, que diz não acreditar que Raul tenha sido usado ou prejudicado. O certo é que a vida, para Raul Seixas, era a música, era o palco, era a possibilidade de expor um talento enorme para comunicar ideias através do seu som inconfundível.



“Raul – O Início, O Fim e o Meio” está disponível nas locadoras. Não se trata de um filme destinado apenas aos milhares de fãs, mas de uma obra fundamental para a compreensão de um dos maiores gênios de nossa cultura popular, na verdade, de um ícone da contracultura. Com seus retalhos, e sem ser panfletário, o filme é também um registro precioso de um período da história do Brasil, do auge da ditadura até a chegada da democracia, quando Raul se despediu da vida.



Eu, que amo os festivais de música e já produzi tantos, não posso me esquecer daquele choque maravilhoso que foi a música “Let Me Sing”, no palco do Festival Internacional da Canção do Rio, quando a figura e a irreverência de Raul marcaram definitivamente o início de uma fascinante história, e da construção de verdadeiros “hinos” que habitarão para sempre os ouvidos e os corações dos brasileiros.

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