SURFANDO SOBRE CORPOS
Por José Farid Zaine
E-mail: farid@limeira.com.br
Twittter: @faridzaine
Facebook: faridzaine
Imagine uma menina de 18 anos, classe média, cleptomaníaca, introvertida, querendo ser independente e fugindo de casa. Imagine agora que ela procure um bordel de baixa categoria e ali se instale, como seu primeiro “lugar de trabalho”; nesse lugar, sob as ordens de uma cafetina tipicamente ditadora e exploradora, na companhia de várias mulheres tarimbadas no “negócio”, ela vai se dar bem entregando-se sem culpa a todos os tipos de homens, e isso inclui dizer os – digamos - menos atraentes que se possa imaginar; pense agora que essa garota, transformada em mulher, abandone esse antro, mas não seu trabalho, que passa a ser cada vez mais lucrativo, já que ela resolve descrever seus dias de ação num blog, e despertar com isso o interesse da mídia. Imagine agora essa mulher ganhando muito dinheiro, ficando famosa, depois afundando no mundo das drogas até o limite do fundo do poço e voltando ao tenebroso comércio do sexo nas ruas... Bom, até aqui isso parece o resumo de um roteiro para um filme de ficção, ou a súmula de um romance nada original, cheio dos tradicionais ingredientes para atrair leitores pouco exigentes. Pois isso é uma história bem real. A personagem existe e está na lembrança de milhares de brasileiros que acompanharam sua trajetória narrada na internet, em dezenas de entrevistas na TV e num livro chamado “O Doce Veneno do Escorpião”, já traduzido para 15 idiomas. Ela é Raquel Pacheco, agora uma senhora casada e que abandonou a vida de prostituição onde viveu a personagem criada por ela própria e batizada de “Bruna Surfistinha”. A história dela chega agora aos cinemas, atraindo mais de 400 mil pessoas no fim de semana de lançamento do filme no Brasil. Quem empresta seu corpo para dar vida a ela nas telas é Deborah Secco, naturalmente infinitamente mais bela que o modelo original. A atriz, com pouco mais de trinta anos, corpo escultural e rosto lindo, sucesso popular na atual novela das 9 da Globo, “Insensato Coração”, na maior parte das vezes vai muito bem na composição de uma personagem conhecida do público, o que sempre torna mais difícil a tarefa de interpretá-la.
“Bruna Surfistinha”, o filme, é até previsível, mas apresenta mais qualidades que defeitos. O diretor não arriscou muito, mas não escondeu muito, também. O mundo da prostituição e das drogas é mostrado, às vezes para exibir um enganoso glamour, outras para escancarar a feiúra e as mazelas desse mundo.
Não é sobre as ondas que Bruna surfa, nem é o mar azul o seu cenário: ela surfa sobre corpos de homens feios, sujos, bonitos, magros, gordos, negros, brancos, altos, baixos, até o ponto em que a própria plateia absorva seu cansaço. Não, não é no dorso das ondas que ela cavalga. Nem sempre o que se mostra na tela é agradável, aliás na maior parte das vezes é bem desagradável. Mas Débora dá conta do recado, ajudada pelo talento inquestionável de Drica Moraes como a dona do prostíbulo. Drica é a melhor atriz de sua geração. Todas as novelas em que atuou ficaram com sua marca. Hoje ela se recupera de uma leucemia, com a torcida de todo o povo brasileiro por sua saúde. Todo o elenco vai bem, com destaque para Cássio Gabus Mendes, como o cliente especial de Bruna e para Fabíula Nascimento e Cristina Lago, como as “colegas de trabalho”. O filme tem ainda uma boa trilha sonora, direção de arte e fotografia competentes, mas tem problemas técnicos. O áudio é ruim. Nas cenas em que Bruna fala em off, narrando seu dia num blog, não se entende quase nada. Pelo menos é o que aconteceu na sala em que vi o filme, num cinema da região.
O diretor Marcus Baldini optou por uma linha que faz com que o filme siga meio em linha reta, sem grandes chances para a emoção, apesar da história tão atribulada e dos altos e baixos na vida da personagem. Não faltam momentos constrangedores, como a cena das prostitutas num salão de beleza.
“Bruna Surfistinha” vem numa hora em que o cinema brasileiro comercial reencontra seu público. Salas com ingressos esgotados, filas, vendas antecipadas, aberturas recordistas... isso tudo era inimaginável há poucos anos. Hoje vemos acontecer o que só ocorria com os blockbusters americanos, e mesmo em temporada de Oscar, um filme brasileiro consegue ser o campeão de bilheteria, como “Bruna”, no último fim de semana, e como no caso extraordinário de “Tropa de Elite 2”, além dos espíritas “Chico Xavier” e “Nosso Lar”. No lado diametralmente oposto ao dos últimos dois filmes citados, “Bruna Surfistinha” passa longe do espírito e usa a matéria, a carne, os corpos despidos, para exibir um tipo de história que, em todos os tempos, exerce fascínio sobre homens e mulheres, e também certa dose de repulsa. Contudo, o importante parece ser dinheiro no caixa, muito dinheiro, como na vida real de Raquel e na sua vida roteirizada e vivida por uma bela atriz.
Por José Farid Zaine
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Imagine uma menina de 18 anos, classe média, cleptomaníaca, introvertida, querendo ser independente e fugindo de casa. Imagine agora que ela procure um bordel de baixa categoria e ali se instale, como seu primeiro “lugar de trabalho”; nesse lugar, sob as ordens de uma cafetina tipicamente ditadora e exploradora, na companhia de várias mulheres tarimbadas no “negócio”, ela vai se dar bem entregando-se sem culpa a todos os tipos de homens, e isso inclui dizer os – digamos - menos atraentes que se possa imaginar; pense agora que essa garota, transformada em mulher, abandone esse antro, mas não seu trabalho, que passa a ser cada vez mais lucrativo, já que ela resolve descrever seus dias de ação num blog, e despertar com isso o interesse da mídia. Imagine agora essa mulher ganhando muito dinheiro, ficando famosa, depois afundando no mundo das drogas até o limite do fundo do poço e voltando ao tenebroso comércio do sexo nas ruas... Bom, até aqui isso parece o resumo de um roteiro para um filme de ficção, ou a súmula de um romance nada original, cheio dos tradicionais ingredientes para atrair leitores pouco exigentes. Pois isso é uma história bem real. A personagem existe e está na lembrança de milhares de brasileiros que acompanharam sua trajetória narrada na internet, em dezenas de entrevistas na TV e num livro chamado “O Doce Veneno do Escorpião”, já traduzido para 15 idiomas. Ela é Raquel Pacheco, agora uma senhora casada e que abandonou a vida de prostituição onde viveu a personagem criada por ela própria e batizada de “Bruna Surfistinha”. A história dela chega agora aos cinemas, atraindo mais de 400 mil pessoas no fim de semana de lançamento do filme no Brasil. Quem empresta seu corpo para dar vida a ela nas telas é Deborah Secco, naturalmente infinitamente mais bela que o modelo original. A atriz, com pouco mais de trinta anos, corpo escultural e rosto lindo, sucesso popular na atual novela das 9 da Globo, “Insensato Coração”, na maior parte das vezes vai muito bem na composição de uma personagem conhecida do público, o que sempre torna mais difícil a tarefa de interpretá-la.
“Bruna Surfistinha”, o filme, é até previsível, mas apresenta mais qualidades que defeitos. O diretor não arriscou muito, mas não escondeu muito, também. O mundo da prostituição e das drogas é mostrado, às vezes para exibir um enganoso glamour, outras para escancarar a feiúra e as mazelas desse mundo.
Não é sobre as ondas que Bruna surfa, nem é o mar azul o seu cenário: ela surfa sobre corpos de homens feios, sujos, bonitos, magros, gordos, negros, brancos, altos, baixos, até o ponto em que a própria plateia absorva seu cansaço. Não, não é no dorso das ondas que ela cavalga. Nem sempre o que se mostra na tela é agradável, aliás na maior parte das vezes é bem desagradável. Mas Débora dá conta do recado, ajudada pelo talento inquestionável de Drica Moraes como a dona do prostíbulo. Drica é a melhor atriz de sua geração. Todas as novelas em que atuou ficaram com sua marca. Hoje ela se recupera de uma leucemia, com a torcida de todo o povo brasileiro por sua saúde. Todo o elenco vai bem, com destaque para Cássio Gabus Mendes, como o cliente especial de Bruna e para Fabíula Nascimento e Cristina Lago, como as “colegas de trabalho”. O filme tem ainda uma boa trilha sonora, direção de arte e fotografia competentes, mas tem problemas técnicos. O áudio é ruim. Nas cenas em que Bruna fala em off, narrando seu dia num blog, não se entende quase nada. Pelo menos é o que aconteceu na sala em que vi o filme, num cinema da região.
O diretor Marcus Baldini optou por uma linha que faz com que o filme siga meio em linha reta, sem grandes chances para a emoção, apesar da história tão atribulada e dos altos e baixos na vida da personagem. Não faltam momentos constrangedores, como a cena das prostitutas num salão de beleza.
“Bruna Surfistinha” vem numa hora em que o cinema brasileiro comercial reencontra seu público. Salas com ingressos esgotados, filas, vendas antecipadas, aberturas recordistas... isso tudo era inimaginável há poucos anos. Hoje vemos acontecer o que só ocorria com os blockbusters americanos, e mesmo em temporada de Oscar, um filme brasileiro consegue ser o campeão de bilheteria, como “Bruna”, no último fim de semana, e como no caso extraordinário de “Tropa de Elite 2”, além dos espíritas “Chico Xavier” e “Nosso Lar”. No lado diametralmente oposto ao dos últimos dois filmes citados, “Bruna Surfistinha” passa longe do espírito e usa a matéria, a carne, os corpos despidos, para exibir um tipo de história que, em todos os tempos, exerce fascínio sobre homens e mulheres, e também certa dose de repulsa. Contudo, o importante parece ser dinheiro no caixa, muito dinheiro, como na vida real de Raquel e na sua vida roteirizada e vivida por uma bela atriz.
Assessoria Parlamentar do Vereador José Farid Zaine (PDT)
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