sexta-feira, 22 de junho de 2012

VIOLETA FOI PARA O CINEMA


Por José Farid Zaine
farid.cultura@uol.com.br
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No início de sua carreira, o grupo Avena, do qual faço parte, fez muitas aparições na TV, sendo 11 vezes no Som Brasil, da Globo, e dezenas de vezes na TV Cultura e outros canais. Nossa música era sempre bem recebida pelo público, por suas características próprias conseguidas através de uma mistura natural dos sons que nos influenciavam, da música caipira paulista ao folclore mineiro, da obra de Milton Nascimento aos Beatles, das correntes da MPB à música latino-americana, especialmente das composições da chilena Violeta Parra. Fizemos um show no Teatro Lira Paulistana, que ficava na Rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros, local por onde passaram bandas consagradas, como os Titãs, Engenheiros e o Língua de Trapo, que conhecemos pelos festivais em todo o Brasil. No repertório do nosso show estavam arranjos nossos de Volver a Los 17 e Gracias a La Vida, de Violeta Parra. Num certo momento do show, mostrávamos a força da música de Violeta, juntamente com outras peças do repertório mais consagrado do folclore da América do Sul.

Milton Nascimento e Mercedes Sosa gravaram juntos a belíssima “Volver”, e Elis Regina sublimou a maravilhosa “Gracias a La Vida” com a mais intensa interpretação da obra máxima de Violeta, gravada também por Joan Baez, musa da chamada “música de protesto”. Isso posto, fica clara a importância de Violeta Parra na música do Avena, na nossa vida. Essa compositora chilena ganhou o mundo com sua voz, projetando internacionalmente a cultura de seu país. Sabíamos do valor dessa mulher guerreira, defensora de suas convicções, sempre apaixonada por sua arte e pela defesa de seu povo. Sabíamos também de seu suicídio, que chocou o mundo no ano de 1967, quando tinha apenas 49 anos. Mas a vida atribulada, atormentada e sofrida desse ícone da cultura latino-americana nos chega apenas agora, por inteiro, através do filme “Violeta foi para o Céu”, de Andrés Wood, em cartaz em São Paulo.




A história de Violeta Parra foi baseada no livro de seu filho, Angel Parra, e conta, de forma fragmentada, todas as passagens de sua vida, da infância miserável ao sucesso, das paixões tempestuosas ao abandono e à solidão devastadora, do progresso no Chile e do reconhecimento na Europa ao retorno fracassado, quando montou sua própria tenda nos arredores de Santiago. Há uma certa semelhança com a forma narrativa desenvolvida por Olivier Dahan no filme “Piaf”, em que a atriz Marion Cotillard, premiada com o Oscar, fez esse tipo de entrega total à composição da personagem. E não é por poucas semelhanças que Violeta Parra é também conhecida como a “Piaf chilena”.

RETRATO DE UMA ARTISTA COMPLETA - “Violeta foi Para o Céu”, que é uma coprodução entre Chile, Brasil, Argentina e Espanha, ganhou o principal prêmio no Festival de Sundance no início de 2012 nos Estados Unidos na categoria “world cinema” e, aqui no Brasil, venceu o Cine Ceará, no dia 9 de junho. Uma das grandes forças do filme é a interpretação de Francisca Gavilán, que soube incorporar com perfeição ao seu físico muito semelhante ao da cantora, as nuances da personalidade forte de Violeta.

Outro aspecto impactante do filme são as imagens do interior do Chile, dos lugares pobres onde a artista passou a infância. Suas andanças para conseguir o aprendizado na música, que lhe deram a base para seu profundo conhecimento folclórico, e que influenciaram toda a sua criação, renderam cenas dramáticas e incomuns. O velório de um bebê é uma delas.

Violeta Parra não foi apenas compositora e cantora. Foi também uma artista plástica reconhecida internacionalmente, tendo suas obras sido expostas até no Museu do Louvre, em Paris. Ela desenvolveu muitos trabalhos em pintura, tapeçaria e cerâmica, nunca abandonando seu tema mais presente e mais relevante, que foi a cultura chilena, a história de seu povo.

A música de Violeta sempre foi ligada a questões políticas, à defesa dos ideais que ela nunca abandonou, e pelos quais batalhou a vida inteira, usando a poderosa arma de seus versos, que ganharam o mundo. “La Carta” é um exemplo desse engajamento. À parte isso, escreveu também sobre o amor de forma extremamente poética e contundente, como nos grandes sucessos “Volver a Los 17” e “Gracias a La Vida”, ou refletindo suas tristezas e decepções em letras amargas como “Maldigo Del Alto Cielo” e “El Gavilán”. Todas essas músicas estão na trilha sonora, que traz ainda preciosas passagens do aprendizado de Violeta até seu domínio completo sobre o ato de compor.

Difícil imaginar que uma compositora que escreveu os versos de “Gracias a La Vida” ( gracias a la vida, que me ha dado tanto...), tenha se suicidado. Depois de ir para o céu, Violeta Parra foi para o cinema, pelas mãos de Andrés Woods. Na tela grande podemos ver sua alma, escancarada na face e no canto de Francisca Gavilán... e é como se pudéssemos ver, também, a alma do próprio Chile.

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