Por José Farid Zaine
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Nanni Moretti consagrou-se no cinema italiano e ganhou a simpatia do público e da crítica por todo o mundo. Seus filmes são sempre aguardados em mostras e festivais. Na edição de 2011 da Mostra Internacional de Cinema o filme “Habemus Papam”, que ele dirigiu e do qual participou também como ator, foi um dos mais concorridos, esgotando sessões. Felizmente, graças ao DVD, o filme está ao alcance do grande público que não teve chance de vê-lo nas capitais ou nos raros cinemas do interior que chegaram a exibi-lo.
Em “Habemus Papam”, Moretti constrói uma comédia dramática extremamente interessante e original. O ponto de partida é fascinante por entrar num terreno pouco ou quase nada mostrado à população, a eleição de um novo Papa. Conduzidos pelo diretor, os espectadores participam do Conclave destinado à escolha do sucessor do Papa morto, até o momento em que a humanidade, à espera, vê sair da tradicional chaminé a fumaça branca. Aqui a história fictícia é a do Cardeal Melville, que nem favorito ao título era e acaba sendo eleito. Ao invés de celebrar a escolha, tida pela Igreja como um sinal divino, Melville entra em pânico e revela que não tem condições de assumir o peso do cargo.
A comovente interpretação de Michel Piccoli como o Cardeal Melville é o grande trunfo do filme. Ele passa ternura e credibilidade, e o público se compadece de sua angústia. Em certo momento, ele se explica aos cardeais perplexos que, de repente, viu-se completamente só, como se todas as pessoas de sua história, de sua vida, tivessem desaparecido no momento do anúncio do resultado da eleição. Essa solidão enorme acaba trazendo um peso insuportável para o novo Papa, e enquanto a população espera sua aparição na célebre sacada da Catedral de São Pedro, ele tentará se desvencilhar de sua monumental tarefa, sem nunca questionar a própria fé. Até um psicólogo, interpretado pelo diretor Nanni Moretti é chamado, e permanece nas dependências do Vaticano, de onde nenhum Cardeal pode sair até a conclusão do Conclave. Sua ação junto aos cardeais é reveladora dos detalhes políticos, econômicos e geográficos da Igreja Católica. O psicólogo, assim como Moretti, declara-se ateu, o que confere certa dose de ironia ao filme.
Michel Piccoli construiu um Cardeal Melville atormentado, mas muito humano. Ele é um ator francês bastante conceituado e com uma bela filmografia que inclui clássicos como “A Comilança”, de Marco Ferreri, “Belle de Jour – A Bela da Tarde” , de Luis Buñuel, “As Coisas da Vida”, de Claude Sautet, em que ele contracena com Romy Schneider. Uma de suas atuações mais recentes foi em “Esses Amores”, de Claude Lelouch, também já disponível nas locadoras, em que faz uma participação junto a um enorme time de celebridades convidadas.
SAUDADE
Se a solidão que é provocada pelo peso de uma grande responsabilidade conduz a atitude do Cardeal Melville em ”Habemus Papam”, outro filme indispensável de Nanni Moretti, ao tocar na ferida da morte trágica, lida necessariamente com a saudade. Falo de “O Quarto do Filho”, em que o diretor atua e também interpreta um psicanalista, Giovanni. Aqui o drama da perda do filho adolescente, Andrea, interpretado por Giuseppe Sanfelice, desaba sobre uma família inteira que se vê às voltas com suas dores, culpas e a incapacidade de lidar com a morte. Os conflitos de cada um, pai, mãe e irmã, acabam sempre guiados pela ausência do ente querido que se foi para sempre, pela dolorosa saudade provocada por suas marcas que permanecem nas vidas dos que ficaram.
“Habemus Papam” me fez pensar na solidão de um Sumo Pontífice diante do seu destino. Seria esta a maior solidão? Vejam o que diz nosso grande Mário Quintana, com sua aguda lucidez: “Mas só Deus, que é único, que não tem par, poderia dizer o que é a solidão”!
E sobre a saudade, sentimento que ronda todos os espaços de “O Quarto do Filho”, o maior poeta da música popular brasileira cantou esses versos definitivos: “A saudade é o revés de um parto, a saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”.
Desejo que os amigos leitores possam curtir os bons filmes de Nanni Moretti, mas que a solidão e a saudade não pesem em seus corações.
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