segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Repercussão

Coluna CineArt publicada na Gazeta de Limeira do último sábado, 4, assinada pelo vereador professor José Farid Zaine (PDT):



QUE NOITE, CAROS LEITORES, QUE NOITE!


Por José Farid Zaine
farid@limeira.com.br
Twitter: @faridzaine




Pensem numa dessas raras noites que podem mudar as nossas vidas, podem gerar paixões que durarão para sempre, dessas que a gente levará na memória, na pele, nos ouvidos...Pensaram naquilo? Claro, é disso que estou falando: de uma noite em 1967, no Teatro Record, onde hoje fica o Abril, em São Paulo, na Avenida Brigadeiro Luís Antonio. Ali acontecia a grande final do Terceiro Festival de Música Popular Brasileira, o festival que consagraria a sigla MPB, por essa e pelas edições anteriores, e revolucionaria a nossa cultura. Ali se consagraram definitivamente os nomes de Chico Buarque de Hollanda, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Nana Caymmi, Edu Lobo, MPB4, Elis Regina, Roberto Carlos, Nara Leão... O Teatro Record, na ocasião do festival, em pleno furor da ditadura militar, funcionava como um território livre. Na visão da célebre Telé, uma espécie de “chefe de torcida”, as pessoas se acotovelavam no teatro e podiam dar vazão a todos os seus sentimentos, aplaudindo entusiasticamente e vaiando sem pudores. Num teatro fechado, paradoxalmente, era possível ser muito mais livre do que nas ruas, perigosas ruas daqueles anos de chumbo.


Nas escolas, nas casas, nos escritórios, o assunto era um só, o festival da Record. Uma febre se espalhou por todo o país, e torcia-se por Chico, por Edu ou Caetano com a mesma paixão de um torcedor corintiano ou flamenguista. Nas aulas, as letras eram comentadas e analisadas pelos professores, e grupos de apoio a uma e outra música eram formados. Eu torcia por “Ponteio”, de Edu Lobo e Capinam, magnificamente interpretada por Edu e Marília Medalha, e que foi a grande vencedora. Caetano rompia a guerra instalada contra as guitarras elétricas por um grupo de músicos que incluía Elis Regina, e junto com uma banda argentina, os Beat Boys, encantava a plateia com “Alegria, Alegria”, a quarta colocada. Não havia perdão. Se o público não adotava a música, ele a rejeitava ruidosamente, como foi o caso de “Beto Bom de Bola”, escalação infeliz do júri para a grande final, e que causou o gesto mais extremado da história dos festivais: Sérgio Ricardo, o autor e intérprete, pedindo insistentemente para ser ouvido, não sendo atendido quebrou o violão e atirou-o ao público. Sônia Ribeiro e Blotta Jr, os apresentadores, perplexos, tinham de se virar, ao vivo, para conduzir o espetáculo com tranquilidade. Chico, com sua linda e provocativa “Roda Viva”, ficou com o terceiro lugar. Naquele momento de perigo e tensão no país, mas muito mais para os artistas e intelectuais, ele ousava dizer: “a gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar, mas eis que chega a roda viva e carrega o destino pra lá...” Mais tarde, a peça musical de Chico, “Roda Viva”, sofreria uma das mais violentas intervenções da Censura ao teatro no Brasil, incluindo agressões da Polícia Federal ao elenco.


Gilberto Gil, acompanhado por um iniciante grupo, Os Mutantes, que nos daria depois Rita Lee e Arnaldo Antunes, com um arrebatador arranjo de Júlio Medaglia, faria de “Domingo no Parque” um marco para mudanças significativas nos rumos da MPB. E ainda tinha Nara Leão, cantando junto com Sidney Miller a linda “A Estrada e o Violeiro”, e Nana Caymmi com a belíssima “Bom Dia”, a princípio rejeitada, mas depois aplaudida pelo público, e Roberto Carlos sendo vaiado cantando “Maria, Carnaval e Cinzas”, ele que já era ídolo da Jovem Guarda e viria a ser considerado pelo povo como o Rei da nossa música. E Elis, claro, a maior de todas, com “O Cantador”, de Dory Caymmi, que rejeitou o arranjo e a interpretação da própria música, conforme seu depoimento.


Como não modificar a minha vida depois de uma noite dessas? Daí veio a paixão pela MPB, que fez nascer o Grupo Avena, e que foi a semente dos festivais que criei em Limeira, o “Canta Limeira”, o “MEL – Musical Ecológico de Limeira”, o “FestiAfro”, e muitos outros, em outras cidades, como o festival “A Canção da Terra”, em Santa Bárbara D´Oeste, e o “Americanta”, em Americana.


Pois essa memorável noite está devidamente registrada e protegida num filme recente, de 2010, que vi no Festival de Paulínia e que chega agora ao DVD. Dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil, “Uma Noite em 67” é um documentário imprescindível para quem deseja compreender a música popular brasileira e, mais do que isso, para quem deseja conhecer nossa história recente, e como canções, simplesmente canções, foram armas poderosas e significativos símbolos de resistência à truculência da ditadura militar.


SERVIÇO



“Uma Noite em 67”, documentário, 2010, direção de Renato Terra e Ricardo Calil, 85 min., VideoFilmes.


Assessoria Parlamentar do Vereador José Farid Zaine (PDT)

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