Por José Farid Zaine
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Quando Edgar Allan Poe escreveu o poema “O Corvo”, por certo não imaginava a quantidade de interpretações que haveria do mesmo ao redor do mundo. Tampouco sonharia que traduções surgiriam em todas as línguas, os tradutores tentando chegar aos significados profundos do poema, mantendo a estrutura poética rebuscada criada pelo autor. Na língua portuguesa muitos se aventuraram, e temos antológicas traduções feitas por nada mais nada menos que Machado de Assis e Fernando Pessoa. São versões magníficas e diferentes, que já provocaram minuciosos estudos por parte de apaixonados literatos. O cinema sempre namorou a obra de Poe, mas ainda falta o filme que fará jus à grandiosidade da obra do autor americano nascido em Boston em 1809 e morto em Baltimore em 1849, com apenas 40 anos. O mistério sobre os dias que antecederam a morte de Poe, a partir do momento em que foi encontrado, num banco de jardim, delirando, até seu último suspiro falando frases enigmáticas, é um assunto fascinante como os célebres contos que ele criou. Esse magnífico e instigante ponto de partida foi o que motivou os roteiristas do filme “O Corvo” (The Raven), de 2012, dirigido por James MacTeigue, o mesmo de “V de Vingança”. O filme que estreou na semana passada em todo o Brasil não é baseado no poema, nem tampouco é remake do famoso homônimo com Brandon Lee, morto acidentalmente por um tiro durante as filmagens.
A crítica, mundo afora, ficou dividida entre os que simplesmente odiaram o filme, os que o desprezaram, os que o olharam com certa condescendência e os que o aceitaram como um bom exemplar de moderno terror. Fico com esse último grupo, pois vejo qualidades nesta obra estranha, irregular, mas certamente envolvente. Mesmo quem não goste do filme não terá como negar que ele exerce fascínio sobre os espectadores, que ficam presos a ele da primeira à última cena. O incômodo fica por conta da personagem principal , Edgar Allan Poe, ser interpretado por um John Cusack indeciso entre compor um “mocinho” destemido e um bêbado e debochado romântico. Ele não convence em nenhum dos casos.
Baltimore, enfim, é a grande estrela desta produção. A cidade aparece bem reconstituída para evocar um clima de terror apropriado à história de um serial killer que se baseia nas obras do próprio Poe para tecer suas armadilhas e concretizar bizarros assassinatos. A Baltimore que vemos é escura, sombria, cheia de becos e lama, repleta de miseráveis, prostitutas e bêbados, entre eles o próprio escritor, às voltas com dívidas em bares e com barracos provocados pelo seu alcoolismo. Neste aspecto, a produção ganha pontos, com seu visual gótico garantido por eficientes direção de arte, fotografia e figurinos. A cena do baile de máscaras é bela e sofisticada, embora tenha alguns furos que não vale a pena revelar. O filme ganha na plasticidade, mas algumas coisas abusam do lugar-comum, como a floresta inundada pela neblina recortada por troncos escuros, por onde Poe, como um inacreditável cavaleiro que lembra um Zorro meio bobo, persegue o assassino. O diretor poderia ter evitado tudo isso, mas parece que buscou exatamente o “déjàs-vu” para contar uma história potencialmente original. Dificilmente o público não deixará de notar as semelhanças com “Sherlock Holmes”, que parece ter sido a inspiração para o roteiro e a montagem, e a escandalosa violência das incontáveis sequências de “Jogos Mortais”.
O encanto, a magia e a beleza misteriosa e assustadora da obra de Poe poderiam estar presentes no filme de alguma forma, não fosse a escolha para que ele se tornasse mais um exemplar do terror moderninho e movimentado que arrasta as plateias, principalmente formada por adolescentes, para os cinemas. “O Corvo” não é um blockbuster como “Sherlock Holmes”, mas está longe de ser apenas um filme ruim. Dá pra curtir numa boa, embora com um pouco mais de acertos por parte dos roteiristas e do diretor, pudesse figurar num outro patamar de filmes do gênero. A sequência final sugere que pode haver uma continuação. Se fosse possível perguntar ao “Corvo” do poema de Poe, se seria bom termos uma eventual sequência dirigida por MacTeigue, ele diria: “Nunca Mais”! E aqui não precisaríamos de teses complexas para entender a resposta de uma das aves mais famosas da literatura universal.
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